O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) está sob ataque com o Projeto de Lei (PL) 4.557/2924, do depurado Silas Câmara (Republicanos-AM). A proposta visa redefinir o modelo de governança da Internet no Brasil ao submeter o CGI.br e a operação das atividades desenvolvidas pelo NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR) à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A situação fez com que entidades como o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e a Coalizão Direitos na Rede (grupo de mais de 50 entidades brasileiras defensoras dos direitos digitais) se manifestassem publicamente em defesa do Comitê e da atual estrutura estabelecida há 30 anos, que entrega desde então resultados positivos para a sociedade.

Em nota (confira completa aqui), o CGI.br destaca que “não foi consultado em nenhum momento para quaisquer discussões ou esclarecimentos” e que o setor governamental participa ativamente de suas decisões com a coordenação atribuída ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Neste ponto, o organismo multissetorial responsável por coordenar e integrar as iniciativas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no Brasil visa responder à justificativa do autor do projeto sobre aproximar da União a competência de gerir os recursos para o funcionamento da internet por meio da autarquia vinculada ao Ministério das Comunicações.

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Na nota também é destacada a composição com membros de dentro e fora do governo, incluindo da própria Anatel e do setor empresarial: “o CGI.br é composto por 21 membros, sendo 9 provenientes do setor governamental, entre os quais a própria Anatel, 4 do setor empresarial, 4 do terceiro setor e 3 da comunidade científica e tecnológica, além de um membro de notório saber em assuntos de Internet. Os membros não governamentais são eleitos para mandatos de 3 anos, sem remuneração, em um processo amplo, transparente e participativo, aberto a todas as organizações da sociedade interessadas.”

Mas além de defender que sua governança segue padrões internacionais de funcionamento e descentralização, com a participação de diferentes atores e organizações, o Comitê ainda teve que publicar outra nota em resposta a uma decisão do Conselho Diretor da Anatel que anunciou a revogação de uma Norma expedida pelo Ministério das Comunicações, a Norma 004 de 1995 sobre “Uso de Meios da Rede Pública de Telecomunicações para Acesso à Internet”.

Em linhas gerais, a autarquia pretende extinguir, a partir de 2027, a norma que diferenciava o serviço de telecomunicações do serviço de Internet (estabelecido pelo SVA “Serviço de Valor Adicionado”). 

Conforme o CGI.br, a “decisão gerou controvérsias no ecossistema digital sobre sua validade e sobre seus impactos”, assim como é ressaltado que o modelo de SVA, reconhecido pela Norma, “é basilar para a inovação tecnológica, para o surgimento de novos modelos de negócios e potencializa efeitos positivos para todo o ecossistema baseado em conectividade, além de preservar o ambiente legal e regulatório do qual dependem milhares de provedores que atuam no país.”

“Retrocesso catastrófico”

Em meio a esta investida da Anatel, algumas entidades já se posicionaram em defesa do CGI.br. A Coalizão Direitos na Rede emitiu uma nota em que repudia os “recentes ataques contra o atual modelo de governança da Internet no País, reconhecido internacionalmente e pilar de uma governança democrática e tecnicamente qualificada.”

O grupo ainda contesta a decisão do Conselho Diretor da Anatel em revogar a Norma 4 sem qualquer participação social, do Conselho Consultivo da autarquia e do próprio CGI.br. É lembrado que a agência “não tem prerrogativa legal para suspender uma norma criada pelo Ministério das Comunicações que não trata de telecomunicações.”

Para finalizar, o grupo de entidades salienta que: “A extinção da Norma nº 4 e o Projeto de Lei 4557/2024 demonstram uma visão apequenada do que é a Internet e da diversidade de aspectos que precisam ser cuidados para bem zelá-la e governá-la. Mais do que isso, são ataques graves ao Comitê Gestor da Internet, à própria governança da Internet no Brasil e à democracia.”

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Na mesma linha, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé manifestou sua indignação com os ataques ao órgão multissetorial. Segundo a entidade, o projeto de lei visa minar a representação da sociedade civil, o que representa “um retrocesso de proporções catastróficas.”

Confira abaixo a nota completa do “Barão de Itararé”:

Nota do Barão: Ataques ao Comitê Gestor da Internet no Brasil podem gerar retrocesso catastrófico


O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé vem a público manifestar extrema preocupação e indignação diante dos ataques ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), órgão multissetorial que é referência nacional e internacional em matéria de governança da Internet e questões digitais.

A denúncia que conclamamos às mídias independentes, ao movimento social brasileiro e ao conjunto da sociedade a repercutir torna-se ainda mais urgente diante do Projeto de Lei nº 4.557/2024, de autoria do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).

A proposta consiste em alterar a estrutura de governança da Internet estabelecida há 30 anos no Brasil, minando, essencialmente, a representação da sociedade civil. Isso significa, na prática, um retrocesso de proporções catastróficas.

O modelo de governança da Internet vigente no Brasil é produto de um profundo processo democrático de diálogo entre o governo e a sociedade, resultado de décadas de acúmulo internacional e profunda experiência da academia brasileira, somada ao setor produtivo que possibilitou a consolidação de uma estrutura multissetorial. 

Referência mundial para o debate em torno de diretrizes e políticas para o ambiente digital, o bombardeio contra o órgão tem como objetivo que as incumbências do CGI.br sejam dominadas exclusivamente por interesses privados.

A rigor, o PL 4.557/2024 coloca o órgão sob supervisão exclusiva da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), também transferindo à Agência as atividades do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) relacionadas à gestão de nomes de domínio e aos demais recursos críticos de Internet.

A iniciativa do deputado Silas Câmara representa uma distorção brutal no desenho do CGI.br: atualmente, o órgão é composto por 21 membros, sendo 9 provenientes do setor governamental, entre os quais a própria Anatel (!), 4 do setor empresarial, 4 do terceiro setor e 3 da comunidade científica e tecnológica, além de um membro de notório saber em assuntos de Internet. 

Os membros não governamentais são eleitos para mandatos de três anos, sem remuneração – portanto não resultam em custos adicionais ao Estado brasileiro -, em um processo amplo, transparente e participativo, aberto a todas as organizações da sociedade que têm interesse em pleitear a participação.

Para os que têm dúvida ou desconhecem a importância do órgão, o próprio CGI.br, em nota pública divulgada no dia 25 de abril de 2025, elenca suas atribuições, que vão muito além do registro de domínios .br e alocação de endereços IP. A lista fala por si só por que é imprescindível contar com o caráter multissetorial e a participação do terceiro setor no órgão:

  • Estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil;
  • Propor programas de pesquisa e desenvolvimento relacionados à Internet;
  • Promover estudos e recomendar procedimentos, normas e padrões técnicos e operacionais, para a segurança das redes e serviços de Internet;
  • Articular as ações relativas à proposição de normas e procedimentos relativos à regulamentação das atividades inerentes à Internet

Ainda de acordo com o documento, os resultados apresentados nos 30 anos de CGI.br são notórios: “A excelência na operação de um dos mais bem sucedidos nomes de código de país – o .br; projetos de infraestrutura que contribuem diretamente com a expansão, qualidade, estabilidade e resiliência da Internet no Brasil; indicadores de segurança, qualidade e padronização, além de indicadores os mais diversos sobre o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na sociedade brasileira; e, ainda, programas e iniciativas de divulgação, informação e capacitação nas mais diversas áreas de interesse para o desenvolvimento da Internet no país”.

Por isso, o Barão de Itararé convoca o conjunto das mídias independentes, do movimento social brasileiro e de toda a sociedade para prestar solidariedade, defender o modelo vigente do CGI.br dos ataques aos quais está submetido, considerando a importância da participação da sociedade na decisão dos rumos das políticas digitais no país e a importância de manter em separado a regulação da infraestrutura física das telecomunicações. 

Não é possível pensar uma governança da internet no Brasil sem haver o Comitê Gestor da Internet no Brasil. Delegar o conjunto de atribuições do CGI para algum outro órgão que não acumule a sua experiência pode resultar em uma perda não apenas na qualidade da internet no Brasil, mas inclusive na violação de diversos direitos por parte da sociedade brasileira.

São Paulo, 6 de maio de 2025
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé

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Last Update: 06/05/2025