Enriquecimento Financeiro na Economia Global

por Fernando Nogueira da Costa

O enriquecimento financeiro na economia global é resultado de uma combinação de participações acionárias em renda variável e juros compostos em renda fixa a depender do país com maior predominância. O impacto relativo de cada um depende do perfil do investidor, do horizonte de tempo e do contexto econômico.

As ações costumam ser o principal processo de acumulação de riqueza de longo prazo, especialmente para investidores institucionais e de alta renda. Aumentam suas participações acionárias, via renda variável, quando os dividendos distribuídos são reinvestidos em um processo análogo ao dos juros compostos, no caso, dividendos sobre dividendos por compras sucessivas de ações.

O crescimento das grandes empresas globais, por exemplo, big techs, aumentou bastante o valor de mercado das ações. Mesmo após o fenômeno DeepSeek (IA chinesa), a Nvidia perder o posto de empresa mais valiosa do mundo, ao desvalorizar US$ 589 bilhões, essa fabricante de chips de inteligência artificial (IA) encerrou o dia 27/1/25 com valor de mercado de US$ 2,904 trilhões.

Foi ultrapassada por Apple (US$ 3,477 trilhões) e Microsoft (US$ 3,231 trilhões). Valiam mais diante a Amazon (US$ 2,477 trilhões), Alphabet / Google (US$ 2,359 trilhões), Meta – dona das redes sociais Facebook, Instagram e WhatsApp – (US$ 1,666 trilhão) e Tesla (US$ 1,275 trilhão). O grupo das “Sete Magníficas”  juntas valiam US$ 17,389 trilhões. Eram “apenas” 16% do valor de mercado das ações listadas em todas as bolsa de valores…

O efeito de rede e a globalização dos investimentos possibilitaram retornos elevados, especialmente no mercado norte-americano. O capitalismo financeiro propiciou a valorização dos ativos e aumentou a concentração de riqueza nos detentores de grandes participações societárias: os investidores institucionais.

O índice S&P 500, um índice composto por quinhentas ações cotadas nas bolsas de NYSE ou NASDAQ, teve uma média de retorno de cerca de 10% ao ano no século passado, enquanto os mercados emergentes tiveram retornos ainda maiores em certos períodos. Por exemplo, entre 2002 e 2022, o CDI teve um retorno médio anual de 11,64%, nominal sem considerar a inflação. Em agosto de 2024, o Tesouro IPCA+ 2029 tinha uma rentabilidade bruta anual de 10,24% e o Tesouro Selic 2029 de 9,30% aa. Estes títulos têm risco soberano  e são menos voláteis diante as ações.

 No Brasil, os juros compostos são um dos principais instrumentos de acumulação patrimonial de longo prazo, especialmente para investidores mais conservadores. Com o corte global das taxas de juros após a crise de 2008, no exterior, retomando a elevação com a inflação gerada pela pandemia de 2020, os retornos da renda fixa foram reduzidos, beneficiando mais a renda variável. Depois, inverteram.

Com a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de elevar a Selic para 13,25% ao ano, o juro real brasileiro ficou em 9,18% ao ano, atrás apenas da Argentina com 9,36%. A média de juro real das economias no mundo é de 1,34%.

A Argentina deu por uma reviravolta no ranking, ao passar de juros reais negativos para a 1ª colocação, em poucos meses, devido à combinação de projeções de inflação mais moderadas e taxas de juros para atrair investidores internacionais e evitar fuga de capitais para o dólar. Além do Brasil e Argentina, completam o top 5 do ranking Rússia (8,91%), México (5,52%) e Indonésia (5,13%).

Países emergentes como o Brasil sempre tiveram juros reais elevados, tornando a renda fixa uma alternativa viável para enriquecimento financeiro. Aqui, títulos do Tesouro Direto IPCA+ chegam a pagar juros reais acima de 6% ao ano, gerando uma grande acumulação financeira via capitalização composta ao longo do tempo.

Para indivíduos com alta riqueza e grandes investidores institucionais, a renda variável tende a ser a maior fonte de enriquecimento, dado o alto retorno do capital investido. Mas para investidores conservadores da classe média patrimonialista, a renda fixa, via juros compostos, permite acumulação estável ao longo do tempo.

Isto porque, para governos e bancos centrais, a fixação da taxa de juros interna bem acima da internacional é essencial para o fluxo de capital entre esses mercados. Evita fuga de capital e atrai investidores diante essa disparidade de juros.

A renda variável impulsiona o enriquecimento dos grandes investidores e da elite financeira global, enquanto os juros compostos são o motor de crescimento patrimonial da classe média e dos trabalho poupadores de longo prazo para a aposentadoria. Ambos são fundamentais para o sistema financeiro global.

No século XX, a renda do trabalho por maior qualificação educacional e a riqueza imobiliária por aquisição da moradia própria impactaram a distribuição de riqueza. No século corrente,  com massificação do Ensino Superior privado, inclusive com EaD, e maior financiamento para aquisição de casa ou apartamento para moradia, apesar de seus papéis ainda importantes na distribuição de riqueza global, os impactos dos investimentos financeiros têm sido superiores.

A Educação Superior está correlacionada com rendimentos do trabalho mais elevados. Indivíduos com maior nível educacional tendem a ocupar posições mais bem remuneradas, contribuindo para a mobilidade social da classe média e a redução da desigualdade de renda agregada diante a dos mais ricos.

Apesar da oferta crescer diante a demanda, a Educação Superior por si só não elimina as disparidades. Fatores como origem social e acesso desigual a oportunidades educacionais de qualidade perpetuam a concentração de renda. No sistema capitalista, a desigualdade é persistente e/ou eterna

A propriedade de imóveis representa a parcela mais expressiva de riqueza para muitas famílias, especialmente na classe média. A valorização imobiliária, eventualmente, aumenta a sensação de maior patrimônio líquido por parte dos proprietários de suas moradias – no Brasil cerca de 72% – ao longo do tempo.

Porém, cria uma ilusão monetária, porque é ilíquida, a ponto de a residência ser desconsiderada na medição das fortunas pessoais. Nas DIRPF, é mantida em seu baixo valor histórico – e não “marcada a mercado” com atualização do valor. Gradualmente, a riqueza imobiliária está menos propensa a gerar rendimentos adicionais (aluguéis) em comparação com investimentos financeiros.

Ativos financeiros, como ações e títulos, compõem a maior parte da riqueza dos indivíduos mais ricos. Os decis da DIRPF AC 2022 indicam, para os 10% mais ricos, 64% de sua riqueza é alocada em investimentos financeiros. Entre os demais declarantes (total com cerca de 40 milhões), os 50% mais pobres já têm 54% dos bens e direitos alocados em ativos financeiros e os 40% da classe média têm 50%.

O Global Wealth Report 2024 do UBS aponta: o 1,5% mais rico da população mundial detém 47,5% riqueza mundial, estimada em US$ 488 trilhões. Compõe-se dos 58 milhões de milionários em dólares, sendo apenas 380 mil no Brasil.

Para consolo, nos 10 anos de 2015 a 2024, o número de bilionários aumentou de 1.757 para 2.682, entre os quais 60 brasileiros com US$ 155 bilhões. Possuíam juntos US$ 14 trilhões, “apenas” 3% da riqueza mundial, ou seja, os investidores institucionais, muitos com recursos de trabalhadores, os superam largamente.

No contexto econômico global, a alocação de capital é majoritariamente conduzida por investidores institucionais, como fundos de investimento, fundos de pensão e fundos soberanos, em comparação com indivíduos bilionários. Por exemplo, os fundos soberanos (ou Fundos de Riqueza Soberana), adotados por alguns países para utilizar parte de suas reservas internacionais, administram recursos provenientes, em sua maioria, da venda de recursos minerais e petróleo.

Grosso modo, a carteira de ativos – formas de manutenção de riqueza – se divide em 45% de ativos imobiliários e os 55% restantes de ativos financeiros. Entre esses US$ 268 trilhões, os valores de mercado das ações em todas as bolsa de valores no mundo alcançavam US$ 110 trilhões e o restante US$ 158 trilhões em títulos e valores mobiliários, além de em diversos fundos: eram 59% dos ativos financeiros.

Embora a qualificação educacional e a propriedade de imóveis sejam pré-requisitos cruciais para a acumulação de riqueza e a melhoria da posição econômica de indivíduos e famílias, os ativos financeiros passaram a desempenhar maior papel na concentração de riqueza global. A capacidade de gerar renda passiva – dinheiro recebido sem precisar trabalhar diretamente para isso no presente – e a liquidez associada aos investimentos financeiros ampliam cumulativamente a distância entre os mais ricos e o restante da população.

Basta considerar 13,25% aa ser equivalente à taxa de juro mensal de 1%. O cliente Private Banking com R$ 10 milhões terá, um ano após, mais R$ 1,325 milhão. Só.


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected]

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Last Update: 05/03/2025