Bolsonaro não precisa voltar à presidência. Preso, vira mártir. Solto, segue inflamando a base. Mas o projeto real da extrema direita é outro: tomar o Legislativo e transformar o Brasil em uma plataforma de guerra política permanente
O pedido recente de Jair Bolsonaro em Copacabana para que seus apoiadores lhe deem 50% do Congresso Nacional em 2026 não é um delírio retórico. É a síntese crua da real estratégia da extrema direita brasileira para os próximos anos. Bolsonaro, apesar de ainda mobilizar massas e possuir carisma junto à sua base, é hoje um ativo político disfuncional. Está inelegível, com imagem internacional comprometida, e enfrenta investigações que podem levá-lo à prisão. Mas mesmo enfraquecido eleitoralmente, Bolsonaro continua sendo útil. Sua prisão, inclusive, pode ser mais vantajosa do que sua candidatura. Na cadeia, ele vira mártir. Fora dela, atrapalha. A direita radical já entendeu que não precisa da Presidência para tomar o Estado. Com 50% do Legislativo, ela pode reescrever as regras do jogo.
Bolsonaro é descartável, mas ainda útil
Jair Bolsonaro nunca foi um articulador político no sentido clássico. Seu estilo errático, sua limitação intelectual e sua aversão ao funcionamento institucional o tornam uma figura difícil de manobrar dentro do jogo tradicional. Ainda assim, ele se manteve como figura central da extrema direita por seu apelo direto às massas e sua capacidade de ativar emocionalmente setores ressentidos da sociedade. Hoje, no entanto, sua utilidade como candidato está esgotada. Bolsonaro está inelegível, enfrenta múltiplos processos e tornou-se um pária internacional. Sua presença no centro do tabuleiro limita alianças e afasta até mesmo setores conservadores que preferem estabilidade a caos.
Por isso, o bolsonarismo já ensaia outros nomes. Michelle Bolsonaro, Eduardo, Tarcísio, Caiado. Nenhum deles tem ainda a força simbólica do patriarca, mas também não carregam o peso jurídico e político que ele arrasta. Bolsonaro preso, aliás, pode ser mais valioso do que solto. Na prisão, ele assume o papel de mártir, elemento central de mobilização emocional, sem interferir diretamente na disputa de liderança dentro do campo da extrema direita. Ele se torna um símbolo unificador sem disputar o trono. Um cadáver político que ainda rende votos.
O alvo é o legislativo: a guerra é no Congresso
O pedido de Bolsonaro por 50% do Congresso não é apenas uma provocação. É a confissão de estratégia. A extrema direita brasileira compreendeu que, com maioria absoluta no Legislativo, é possível operar uma transformação estrutural do Estado, independentemente de quem ocupa a Presidência da República. Com controle de 50% da Câmara e do Senado, um campo político tem ferramentas decisivas nas mãos.
Do ponto de vista constitucional, essa maioria permite instalar e manipular comissões parlamentares de inquérito, travar ou aprovar projetos com impacto profundo em direitos civis e sociais, alterar regimentos, obstruir nomeações e sabatinas, aprovar emendas constitucionais, modificar regras eleitorais e até iniciar processos de impeachment — não apenas contra o presidente da República, mas também contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Com o Senado dominado, a ofensiva contra o Judiciário torna-se viável. O STF, frequentemente visto como obstáculo pela extrema direita, pode ser diretamente alvejado por essa via.
É um cenário de captura institucional total. O Congresso, operando como instrumento de retaliação e desmonte, transforma a política em guerra jurídica permanente. Com uma bancada suficientemente grande, a extrema direita não precisa da Presidência para paralisar governos, desestabilizar políticas públicas e impor sua agenda. Pode fazer isso de dentro do coração do sistema representativo, com aparência de legalidade e cobertura midiática simpática.
As big techs como parceiras estratégicas
A construção dessa maioria legislativa não acontece apenas nas urnas. Ela é viabilizada por uma arquitetura digital cuidadosamente operada ao longo dos últimos anos. As plataformas digitais, como X, WhatsApp, Telegram, Instagram, Facebook e YouTube, se tornaram extensões permanentes da campanha da extrema direita. Elas funcionam como mecanismos de mobilização, canais de comunicação direta com as bases e, sobretudo, ferramentas para a produção e manutenção de influência política em larga escala, a baixo custo e com alto retorno eleitoral.
A chamada bancada do like já é realidade. São parlamentares eleitos por sua performance nas redes, por engajamento e polarização, não por programas ou articulação partidária. Eles atuam como representantes diretos da lógica algorítmica no Congresso Nacional. Promovem discursos radicais, negam a ciência, atacam as instituições e defendem com veemência a não regulação das plataformas. Não são apenas políticos com presença digital. São extensões da própria infraestrutura ideológica e comercial das big techs.
Para essas empresas, manter um Congresso simpático aos seus interesses é decisivo. Um Legislativo capturado por parlamentares que defendem liberdade irrestrita nas redes significa blindagem contra regulação, proteção jurídica e estímulo contínuo à lógica da viralização como critério de verdade. É nesse contexto que figuras como Elon Musk intensificam seus flertes com o bolsonarismo, atacando instituições brasileiras e adotando abertamente o discurso de perseguição judicial.
A eleição de 2026 já está em curso, e nela as big techs não atuam como observadoras. Elas são jogadoras. E sua prioridade não é eleger um presidente. É garantir uma maioria legislativa que funcione como escudo e canal de influência direta. O algoritmo, afinal, não apenas entrega likes. Ele organiza votos. E com isso, entrega poder.
Conclusão: o risco não é só o retorno do bolsonarismo, mas a captura algorítmica do Estado
Focar o debate político apenas na figura de Jair Bolsonaro é um erro estratégico. Ele já não é o projeto. É a peça emocional que ancora uma base. Preso, se torna ainda mais poderoso como símbolo. Livre, representa um problema para o reposicionamento da extrema direita. Mas o verdadeiro plano está em outro lugar. Está no Legislativo.
O controle do Congresso Nacional em 2026 é o objetivo real. Com maioria absoluta, a extrema direita pode não só bloquear qualquer avanço institucional, mas reverter garantias democráticas, capturar o sistema de justiça, perseguir opositores e institucionalizar o que hoje ainda se apresenta como retórica de guerra cultural. Com as redes sociais atuando como catalisadoras da desinformação e com as big techs investindo na eleição de bancadas leais ao seu modelo de negócios, o cenário é de avanço silencioso, mas profundo.
Não se trata apenas de impedir o retorno de Bolsonaro. Trata-se de impedir que o Brasil seja definitivamente redesenhado por dentro, sob orientação de interesses privados globais, mediado por redes digitais desreguladas e operacionalizado por um Legislativo convertido em braço executivo de corporações e fanáticos. É preciso entender que o próximo golpe não virá de tanques nem de palanques. Ele virá por maioria simples em plenário, amplificada por uma hashtag.