O debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, promovido na segunda-feira (19), causou desconforto nos organizadores – notadamente a revista Veja. Cinco concorrentes foram convidados, mas dois deles – o deputado João Pedro (PSOL), o prefeito Luís Henrique (MDB) e o apresentador Paulo Roberto (PSDB) – desistiram de participar.
Com um palco formado apenas por pleiteantes à terceira via – Ana Paula (PSB), Paulo Sérgio (PRTB) e Marina Helena (Novo) –, era esperado que os dois últimos recorressem à baixaria para criticar as ausências. Termos como “fujões”, “arregões” e “covardes” inundaram a transmissão e as redes sociais. Até mesmo Ana Paula caiu na cilada e fez coro com a dupla.
O problema é que os três faltantes podem estar cobertos de razão. Se estragaram agora a festa midiática, é porque a própria grande mídia já vinha desvirtuando o processo eleitoral e a própria democracia ao darem guarida aos impostores da política.
Todo e qualquer político que concorre em eleição majoritária tem interesse em participar de atrações como debates e sabatinas. Para esses candidatos, é uma oportunidade de ganhar visibilidade, criar marcas, fortalecer posicionamentos, fazer acenos, incomodar adversários e pautar a imprensa. Os espectadores, por sua vez, conhecerão melhor as ideias e propostas de quem almeja governá-los.
Mas este é um cenário ideal que, no caso de São Paulo, está longe de se concretizar. Antes do fiasco transmitido pela Veja, houve dois outros debates – o da Band, em 8 de agosto, e o do Estadão, no dia 14. Se você assistiu a qualquer um deles, percebeu que a grande mídia parece não se incomodar com a transformação de um evento político num circo de misérias, fake news, calúnias e outros crimes.
Embora as regras de cada encontro sejam previamente discutidas e consensuadas entre as assessorias dos candidatos, não há nada que garanta sua aplicação. Em caso de “ofensas à honra” ou “acusações sem prova”, por exemplo, está previsto um direito de resposta – que, na prática, só é conquistado com insistência e sorte.
Para piorar, na campanha presidencial de 2022, a extrema direita introduziu um tipo diferente de sabotagem. Padre João, candidato fantoche do PTB ao Planalto, estava a serviço do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e aparecia em cena apenas para provocar o favorito na disputa, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A terceirização da sujeira, do vale-tudo, não era uma novidade. Desde sempre há candidatos nanicos que, por razões invariavelmente pecuniárias, vão ao debate com a missão de antagonizar adversários mais competitivos. Mas o confronto se dava nos marcos do discurso, dentro das regras.
Em 2024, Paulo Sérgio deu um passo além nos debates em São Paulo. Franco atirador, sem compromisso nenhum com as regras estabelecidas, ele renunciou à tática da terceirização e decidiu, ele próprio, tumultuar o debate. Em tempos de “lacração”, pagou para ver – e viu que o crime (eleitoral) compensa.
Não bastaram as insinuações e denúncias dirigidas especialmente contra João Pedro – a maioria delas sem direito de resposta. Embora candidatos não possam apresentar objetos no ar, Paulo Sérgio exibiu, no debate do Estadão, uma carteira de trabalho. O estafe dos candidatos estava proibido de usar telefones celulares ou fazer gravações durante o debate – e foi exatamente isso o que a assessoria de Paulo Sérgio fez ao longo de toda a transmissão.
O Estadão, promotor do debate eleitoral mais vil na história da capital paulista, nada fez para impedir tamanha degeneração. Nesta quinta-feira, com uma desfaçatez acima do tom, disse que faltar a debates “nem de longe é o caminho para lidar com um fenômeno que só tende a se expandir”.
Sobre sua própria responsabilidade e omissão, na condição de organizador do evento, o jornal não fez menção nenhuma. Se é circo ou carnaval, “deixa a festa acabar, deixa o barco correr”.
Enquanto isso, criminosas fake news disseminadas no debate são convertidas em shorts e viralizam para centenas de milhares – ou até milhões – de eleitores. Quem promove o debate tem duas opções: ou erradica esses novos expedientes antidemocráticos, ou se assumem como colaboracionistas.
Por fim, nem a vida nem a campanha eleitoral se resumem a aparições na TV. Com a overdose de encontros e sabatinas, o risco de uma certa banalização e de cansaço é real. Só na terça-feira (20), João Pedro participou de uma sabatina às 11h50 na Record e às 15h30 na CNN. Se Caetano Veloso nos perguntava quem lê tanta notícia, é legítimo questionar quem vê tanta sabatina.
A tática eleitoral de qualquer candidato majoritário – de situação ou oposição, de esquerda ou de direita – não pode ser uma camisa-de-força. Há de haver racionalidade, bom senso e cálculo nas decisões. Evitar debates que contem com baixarias típicas de programas de auditório não é necessariamente um erro. Talvez seja o protesto mais legítimo para resguardar o sentido da política e a importância das eleições.