Enquanto todos os olhos estão voltados para o Irã e o Hesbolá, que preparam uma grande retaliação contra o Estado de “Israel” após assassinatos em Beirute e Teerã, a guerra no Oriente Médio estoura em outro lugar. Na quarta-feira (7), na guerra mais antiga da região, a da Síria, se abriu uma nova frente de batalha. Os camponeses organizados em milícias tribais, apoiados pelo governo Bashar al-Assad, tomaram o controle de um território rico em petróleo controlado pelos Estados Unidos. As implicações dessa nova frente podem ser gigantescas.
As milícias populares das tribos lançaram o maior ataque às Forças Democráticas da Síria (FDS) desde o início da revolta tribal árabe no ano passado. O ataque foi feito “sob a cobertura de artilharia e morteiros”, segundo a Sputnik. Elas libertaram al Busairá e Dhiban com cobertura de artilharia das forças armadas da Síria, entre outras cidades, e, então, começaram um cerco ao campo de petróleo de al Omari.
“Confrontos violentos ocorrem desde as primeiras horas da manhã entre as forças dos Conselhos Militares de Deir Ezzor e Hajin, ligados às FDS, de um lado, e os grupos atacantes da coalizão ‘Exército das Tribos’ do outro, nas proximidades das cidades de Abu Hamam, Dhiban, al-Lattua, al-Kashkia e Gharanij”, afirmou um correspondente da emissora russa.
Ele acrescentou que os confrontos estavam concentrados nas cidades de al-Sabha e al-Tiiana, a leste de Deir Ezzor. Já de acordo com a emissora libanesa Al Mayadeen, as tribos árabes usaram lança-foguetes e metralhadoras contra as FDS durante o início do ataque.
As FDS são a organização militar dos aliados dos EUA que mantém uma ocupação militar da Síria com 22 bases e dois mil soldados. Elas são dirigidas pelos curdos organizados do Partido da União Democrática. Estes começaram a cooperar com os EUA a partir da invasão do Iraque em 2003 e, durante a guerra da Síria, se tornaram uma força de procuração do imperialismo. Eles ocupam um terço da Síria, a região mais rica tanto em agricultura, quanto em petróleo. Tomaram as terras dessas tribos que lutam para reconquistá-las.
A guerra para a libertação da Síria foi a que menos teve destaque desde o início da guerra na Faixa de Gaza. Mas a ocupação militar norte-americana do país árabe está totalmente ameaçada diante da situação de crise generalizada na região.
O correspondente da Sputnik ainda afirmou que: “combatentes das FDS impuseram um toque de recolher total nas cidades sob seu controle no campo de Deir Ezzor, após a chegada de grandes reforços militares de Hasacá e Raca, coincidindo com uma ampla operação de busca nas vilas ao redor das áreas de confrontos”. Moradores disseram que muitas pessoas foram deslocadas como resultado e que três civis foram mortos, enquanto outros sete ficaram feridos devido aos combates. Fontes locais também disseram ao veículo de notícias que pelo menos 10 combatentes das FDS foram capturados por combatentes tribais, que também apreenderam grandes quantidades de armas leves e pesadas.
O xeique Ibrahim al-Hafel, líder desse movimento, afirmou: “não aceitaremos submissão aos combatentes das FDS, [as tribos e] seus filhos têm o direito de libertar suas áreas dessa organização”. As tribos árabes lançaram sua rebelião contra as FDS no final de agosto do ano passado, com confrontos durando várias semanas depois. Al-Hafel já era o líder naquele momento.
A guerra no Iraque
A luta na Síria ainda se mantém em baixa intensidade, apesar do risco de escalada a qualquer momento. Já no Iraque, a resistência declarou guerra total contra o Estado de “Israel”. Após seis meses de trégua, em que as bases norte-americanas não foram atacadas pelos iraquianos, o assassinato de Ismail Hanié foi o estopim para a volta da guerra. A base norte-americana no Iraque Ain al-Assad foi bombardeada, ao menos cinco soldados ficaram feridos.
Fontes ligadas à resistência afirmaram ao jornal Al-Akhbar que “a resistência no Iraque acredita que a presença de norte-americanos no país representa um perigo maior à luz das mudanças regionais atuais, e, portanto, eles devem ser pressionados e confrontados para expulsá-los completamente”. Eles observaram ainda que a resistência “informou Al Sudani [o primeiro-ministro] sobre isso para aliviar o constrangimento dele”.
Além disso, um líder do Hesbolá al-Nujaba confirmou que “atacar bases e interesses norte-americanos tornou-se urgente devido à procrastinação e atrasos na questão da retirada das forças dos EUA das terras iraquianas. E também temos informações que confirmam o envolvimento dos Estados Unidos com ‘Israel’ através de suas bases no Iraque, na realização de operações contra líderes da resistência ou no assassinato do povo da Palestina”.
O líder do Nujaba acrescentou que “o próximo período testemunhará ataques contínuos contra forças norte-americanas, seja dentro do território do Iraque ou fora dela, especialmente porque todas as organizações de resistência concordam que a ocupação não sairá por meio de negociações governamentais, mas sim por meio de operações militares que possam forçá-la a cumprir nossas demandas”.
Essa última informação é crucial. A resistência iraquiana consiste em dezenas de organizações que se unificam nas Forças de Mobilização Popular, o Hesbolá al-Nujaba é uma delas, bem como o Catabe Hesbolá, recentemente atacado pelos EUA. Após seis meses de negociações sem sucesso, inclusive com visitas do premiê iraquiano a Washington, elas decidiram recomeçar a guerra até a libertação final do Iraque. Isso se soma a uma ação cada vez mais coordenada com o Iêmen, que também está em guerra com os norte-americanos.
O fator Vladimir Putin
Para além das principais forças políticas e do imperialismo na região, é preciso analisar a posição de um agente que até então aparece de forma discreta, a Rússia. Em primeiro lugar, a Síria é o grande aliado dos russos no Oriente Médio. Foram eles, junto aos iranianos, que impediram o imperialismo de derrubar o governo Assad. Segundo, com escalada do imperialismo na Ucrânia, a Rússia prometeu retaliar o imperialismo em outras regiões do mundo.
O membro do governo russo Dmitri Medvedev afirmou, em junho, “que os Estados Unidos e seus aliados experimentem em primeira mão o uso direto de armas russas por um terceiro. Essas pessoas ou regiões foram intencionalmente deixadas sem nome, mas podem ser todos aqueles que consideram os Estados Unidos e companhia seus inimigos, independentemente de sua visão política e reconhecimento internacional. Se seu inimigo é os EUA, isso significa que, para nós, eles são amigos”. Já há relatos que os russos armam o Iêmen. Mas a Síria e o Iraque são a frente perfeita para atingir os EUA.
O conselheiro de segurança nacional da Rússia e ex-ministro da Defesa, Serguei Shoigu, esteve em Teerã essa semana. O que é mais um grande indício de que os russos estão participando da guerra no Oriente Médio. Até então, não é possível saber até onde eles estão dispostos a auxiliar a resistência. Mas na conjuntura atual, tudo é possível.
Ou seja, enquanto a guerra em “Israel” segue enfraquecendo cada vez mais o imperialismo e o sionismo, é possível que os EUA sofram um duro golpe do Eixo da Resistência. Se a própria existência do Estado de “Israel” está em xeque, quem dirá a ocupação militar de dois países árabes onde o imperialismo já foi derrotado parcialmente nos últimos anos.