Francis Hime recorda-se com alegria da época em que jovens músicos se reuniam em torno do poeta Vinicius de Moraes (1913–1980) para cantar e apresentar suas músicas. Realizar encontros musicais era, na década de 1960, uma das atividades prediletas de Vinicius no Rio de Janeiro.

E foi a partir de um desses encontros que nasceu a primeira canção de Hime, Sem Mais Adeus, criada com o próprio Vinicius e gravada por Wanda Sá, em 1964. “Ele me apadrinhou”, diz o músico, em entrevista a CartaCapital, por telefone.

Juntos, eles fariam muitas outras canções – Samba de Maria, Tereza Sabe Sambar e A Dor a Mais foram algumas delas. “Eu sou da primeira geração pós-bossa nova. E o mais velho dessa turma toda.”

Naquele começo de carreira, Elis Regina foi uma de suas grandes intérpretes. A cantora gravou Por Um Amor Maior, Minha, Último Canto (com Ruy Guerra), Atrás da Porta e Valsa Rancho (ambas com Chico Buarque). “Ela era insuperável”, resume o músico.

Há quem goste de chamar o período em que Francis Hime começou, de 1963 em diante, de segunda fase do movimento da Bossa Nova, que tinha músicos como Dori Caymmi e Edu Lobo.

Outros entendem essa fase como sendo a da pós-Bossa Nova, momento em que surgiram Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Paulo César Pinheiro, Cartola e Joyce Moreno.

Para Hime, isso é um mero detalhe. O que importa é o fato de esses sete artistas terem sido seus parceiros – assim como outros nomes da geração dos anos 1960 e de muitas gerações vindouras. O cantor, compositor e pianista acumula um número notável de parcerias musicais do primeiro time da música brasileira. Na grande maioria delas, ele atuou como melodista.

Seu último álbum de inéditas, Não Navego pra Chegar (Biscoito Fino), lançado no mês passado, carrega essa marca. O disco traz canções criadas com Ivan Lins, Geraldo Carneiro, Moraes Moreira (1947–2020), Zé Renato, Zélia Duncan e Maurício Carrilho.

Há, ainda, composições assinadas com o dramaturgo Bráulio Pedroso (1931–1990), que estavam guardadas há décadas, e com o escritor e cartunista ­Ziraldo (1932–2024). A faixa assinada com Ziraldo tinha sido usada na peça teatral do mineiro Belas Figuras (1983).

Maurício Carrilho e Zé Renato nunca haviam trabalhado com Hime. Por sua vez, Geraldo Carneiro é, dentre os artistas presentes no disco, o mais próximo de Hime – só nesse novo trabalho são três as faixas feitas com ele. Olívia Hime, cantora e sua companheira desde 1969, colaborou nas letras de cinco canções.

“Gosto de compor com muitos parceiros. Me motiva bastante”, diz. “A gente nem sempre sabe qual o resultado que vai sair. Às vezes, não dá exatamente o resultado esperado, mas, em geral, tenho sorte.”

O gosto pela busca por parcerias estende-se às interpretações. Não Navego pra Chegar traz não só as vozes de alguns dos compositores, como Ivan Lins, Zélia Duncan, Olívia Hime e Zé Renato, mas também as de Simone, Mônica Salmaso, Leila Pinheiro, Dori Caymmi, Quarteto Maogani e Lenine.

“Gosto de compor com muitos parceiros. Às vezes, não dá o resultado esperado, mas, em geral, tenho sorte”

O time de compositores e intérpretes ganha mais força graças aos arranjos excepcionais, sob a batuta do violonista Paulo Aragão, produtor musical do álbum, e um grupo de musicistas de excelência.

A reunião de tanta gente talentosa resulta num disco singular no cenário da música brasileira hoje. Nesse conjunto brilhante, uma ausência se faz sentir: a de Chico Buarque, parceiro de Hime em sucessos dos anos 1970 e 1980, como Meu Caro Amigo, Pivete, Trocando em Miúdos, Amor Barato e Vai Passar, hino da redemocratização.

“Cheguei a mandar uma música do disco de agora, mas ele não conseguiu fazer”, conta. Chico, ao receber a melodia, respondeu ao amigo, em tom de brincadeira, que andava numa fase de “burrice”.

Ele também tentou trazer para o disco Milton Nascimento, com quem tem cinco músicas feitas, sendo quatro gravadas: Homem Feito, Parceiros, Sonho de Moço e Farol. A inédita Assim foi a que Hime tentou inserir no novo disco. Bituca tinha, porém, acabado de gravar o álbum de estúdio Milton + Esperanza (2024), e disse que precisava descansar.

Da turma estelar da MPB, o único parceiro que lhe parece faltar é Caetano Veloso: “Tentamos, mas não saiu. É um samba-canção que eu gosto muito. Fiz a melodia e era para ele colocar a letra, mas não rolou. Foi 30 anos atrás. Quem sabe um dia a gente faz”.

Aos 85 anos, Hime lamenta que, hoje, com a internet, os encontros presenciais tenham se tornado mais raros. “As pessoas se distanciaram”, diz, para, na se­quência, tirar qualquer tom de queixume da conversa. Antes de mergulhar na música, ele chegou a se formar engenheiro e, hoje, olha para trás com a sensação de conquista: “Fico bastante contente de ter seguido esse caminho e ter sido bem-sucedido. Nem sempre acontece”.

Autor de quase 30 álbuns, o que ele deseja, hoje, é poder seguir fazendo música e gravando discos. “Não sinto vontade­ de me aposentar. Quero trabalhar até quando a saúde permitir”, diz.

No domingo 25, Francis Hime sobe ao palco do Vivo Rio, no Rio de Janeiro, para lançar o álbum Não Navego pra Chegar. Boa parte do time estelar que compõe o novo trabalho participará da apresentação. Será, sem dúvida, uma celebração da história da MPB. •

Publicado na edição n° 1363 de CartaCapital, em 28 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Encontros de toda uma vida’

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Last Update: 22/05/2025