Para entender a ascensão da extrema-direita na França, que pode eleger a maioria absoluta dos deputados na Assembleia Nacional, é preciso se aproximar de um pequeno círculo de milionários católicos conservadores que dão um apoio cada vez mais explícito à ideologia nacionalista defendida pelo RN.

Um deles é o empresário e bilionário Vincent Bolloré, acionista do grupo Universal Music, dono do grupo Vivendi e do Canal+, que tem, entre outras filiais, o canal de TV CNews e o jornal JDD. Bolloré é o oitavo empresário mais rico da França e ocupava, no ano passado, a 202ª posição no ranking mundial da revista Forbes.

Em junho, a emissora CNews liderou a audiência dos canais de notícias 24 horas no ar, após destronar o concorrente BFMTV, de acordo com dados da empresa de consultoria Médiamétrie. O CNews é boicotado por muitas personalidades de esquerda que o acusam de se posicionar na extrema-direita, o que seus dirigentes contestam.

Da mesma forma que o canal C8, o CNews é frequentemente notificado por irregularidades pela Arcom, a agência reguladora do sistema audiovisual francês. Em maio, a Arcom multou o C8 em 50 mil euros por comentários do jornalista Geoffroy Lejeune, segundo os quais o antissemitismo e a superlotação das prisões na França eram consequências da “imigração árabe-muçulmana”.

Lejeune tem um histórico profissional marcado por polêmicas. Ele dirigiu durante sete anos a revista Valores Atuais, considerada porta-voz das ideias de extrema-direita. Desde agosto do ano passado, ele dirige o JDD, comprado por Bolloré em 2023. A aquisição desse veículo centenário por uma personalidade controvertida provocou uma greve inédita dos jornalistas.

“Ódio aos muçulmanos substituiu ódio aos judeus”

Em recente entrevista ao site The Conversation France, o historiador Alexis Lévrier explicou que Bolloré começou a construir seu império de mídia nos anos 2000, para colocar seus veículos e emissoras “a serviço de um projeto político, cultural e de civilização”.

Parte da mídia de Vincent Bolloré pode ser considerada, segundo o historiador, como o elo entre a extrema-direita que triunfou na França entre o fim do século 19 e o período colaboracionista na Segunda Guerra Mundial, e o forte retorno do discurso anti-estrangeiros visto na atualidade.

“Muitos editorialistas do CNews ou do JDD estão obcecados com a defesa de uma nação branca e cristã, mas, na sua imaginação, o ódio aos muçulmanos substituiu o ódio aos judeus”, afirmou o historiador a The Conversation.

Outro bilionário próximo do RN é o empresário Pierre-Edouard Stérin, 104ª maior fortuna da França, fundador do grupo Smartbox e do fundo de investimentos Otium Capital. Exilado fiscal na Bélgica, Stérin está envolvido em uma disputa para comprar a revista progressista Marianne, mas enfrenta forte resistência da redação.

Uma reportagem do jornal Le Monde revelou, na semana passada, toda a esfera de influência deste empresário no partido de Marine Le Pen. Defensor do catolicismo tradicionalista, Stérin é um ativo militante antiaborto, adepto da ideologia da “grande substituição”, a teoria racista que fantasia o desaparecimento da identidade francesa por causa da imigração.

No ano passado, Stérin e o número 2 de seu fundo de investimento, François Durvye, compraram a casa onde vive Jean-Marie Le Pen, 96 anos, pai de Marine, fundador da Frente Nacional nos anos 1970 por 2,5 milhões de euros, uma operação considerada financeiramente vantajosa para Marine Le Pen e uma de suas irmãs, Yann, que assinaram o contrato.

Há vários anos, Marine, que acaba de ser reeleita deputada no primeiro turno das legislativas, investe na mudança de imagem do partido que herdou do pai. Em 2018, a Frente Nacional passou a se chamar Reunião Nacional, em uma estratégia implementada por Le Pen para apagar da memória dos franceses o passado racista, xenófobo e antissemita do movimento criado por seu pai.

“Círculo de Versalhes”

Segundo o Le Monde, François Durvye já faz há algum tempo a articulação entre o partido de Le Pen e um grupo de católicos da cidade de Versalhes, próximos do empresário Pierre-Edouard Stérin. Esse “círculo de Versalhes” permitiu à líder de extrema-direita escalar vários funcionários públicos de alto escalão para trabalhar com ela na Assembleia Nacional.

De acordo com o jornal, o novo projeto político do milionário Stérin é o instituto Politicae, que visa ajudar candidatos não qualificados a conquistarem prefeituras francesas em 2026.

No fim de março, o partido de Marine Le Pen anunciou que tinha conseguido arrecadar 4,32 milhões de euros, sob a forma de empréstimos concedidos por dez credores privados, para financiar a campanha para as eleições europeias de 2024. Os mesmos empresários devem estar esfregando as mãos com a perspectiva de o nacionalista Jordan Bardella se tornar o chefe de governo da França na noite de 7 de julho, se a sigla obtiver a maioria absoluta da Assembleia Nacional depois do segundo turno.

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Última Atualização: 01/07/2024