Apoiado por países como Brasil, Uruguai e Colômbia, o chanceler de Suriname, Albert Ramdin, foi eleito nesta segunda-feira (10) secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). A vitória de Ramdin marca uma mudança na condução da entidade após dez anos sob forte influência dos Estados Unidos e representa um revés para os interesses do presidente Donald Trump na América Latina.

O mandato de Ramdin se estenderá até 2030, e o Ministério das Relações Exteriores do Brasil cobrou do novo secretário-geral uma atuação “independente” e “conciliadora”. Em comunicado oficial, o Itamaraty destacou que o novo chefe da OEA deve agir de forma inclusiva para representar os interesses de todos os países-membros.

Disputa geopolítica e articulação latino-americana

Inicialmente, a disputa pela liderança da OEA incluía o chanceler paraguaio Rubén Ramírez, que possuía um perfil considerado alinhado a Trump. No entanto, a candidatura de Ramírez foi retirada abruptamente pelo presidente do Paraguai, Santiago Peña, após perceber que “países amigos da região” haviam retirado o apoio ao seu ministro. O governo paraguaio interpretou essa mudança como um golpe diplomático promovido por países da região para evitar um alinhamento da OEA aos interesses de Washington.

A articulação para isolar Ramírez contou com Brasil, Chile e Uruguai, que viam a possível eleição do paraguaio como um risco de alinhamento automático da entidade com as diretrizes conservadoras de Trump. A vitória de Ramdin, endossada por uma aliança progressista, impediu que a OEA se tornasse um instrumento de influência política do presidente norte-americano na América Latina.

Durante o governo Lula, o Brasil tem reforçado seu apoio a organismos multilaterais como o Mercosul, o BRICS e a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), além da própria OEA. Para o Itamaraty, preservar a independência da OEA era essencial para evitar sua instrumentalização política por Trump, cuja agenda inclui medidas protecionistas contra parceiros comerciais e deportações em massa de migrantes latinos.

Mudança na OEA e impactos na América Latina

A eleição de Ramdin representa o fim de uma década de liderança sob Luis Almagro, que, apesar de ter sido chanceler no governo de Pepe Mujica, tornou-se um opositor ferrenho de governos progressistas na região, sendo criticado por sua postura contra países como Bolívia, Nicarágua e Venezuela. Durante sua gestão, Almagro foi acusado de adotar uma abordagem seletiva na defesa da democracia e de fomentar tensões políticas, o que resultou no afastamento de Venezuela e Nicarágua da OEA.

Diante desse histórico, a diplomacia brasileira enfatizou a necessidade de que o novo secretário-geral adote uma postura de equilíbrio e imparcialidade. Em seu discurso após a eleição, a secretária-geral das Relações Exteriores do Brasil, Maria Laura da Rocha, ressaltou que a OEA precisa recuperar sua credibilidade e atuar como um espaço de diálogo entre os países do continente. Segundo ela, a organização deve evitar tomar partido em disputas políticas internas e fortalecer o multilateralismo como base para a cooperação regional.

Reações e desafios para Ramdin

A delegação dos Estados Unidos, representada pelo diplomata Michael Kozak, lamentou a saída de Almagro e pediu que a nova gestão da OEA mantenha a luta contra a imigração ilegal e o narcotráfico. Kozak enfatizou que os EUA continuarão a pressionar por sanções contra governos considerados “autoritários” na região, como Venezuela, Nicarágua e Cuba. Além disso, alertou para a influência de potências externas no continente, em uma referência implícita à China e à Rússia.

Enquanto isso, o Brasil e seus aliados destacaram a importância de um reposicionamento da OEA como mediadora de conflitos, citando o recente sucesso da organização na crise política da Guatemala. Para os países sul-americanos, a nova liderança deve buscar uma atuação equilibrada, sem viés político, e trabalhar para reaproximar os países que se afastaram da entidade nos últimos anos.

A eleição de Ramdin demonstra a força da articulação diplomática latino-americana e representa um revés para os interesses de Trump na região. Agora, resta saber se o novo secretário-geral conseguirá restaurar a credibilidade da OEA e consolidá-la como um espaço de cooperação multilateral genuína nas Américas.

Contexto e implicações globais

Além dos impactos na América Latina, a vitória de Ramdin na OEA pode reverberar em um cenário mais amplo. A ascensão de lideranças progressistas na região e a busca por uma maior autonomia diplomática desafiam a tradicional influência dos EUA sobre as organizações multilaterais do continente. Ao mesmo tempo, a eleição de Ramdin sinaliza um movimento coordenado de países sul-americanos em favor de um multilateralismo mais equilibrado e menos subordinado a interesses externos.

A longo prazo, a liderança de Ramdin pode redefinir o papel da OEA na mediação de crises regionais e no fortalecimento da cooperação hemisférica, especialmente diante de desafios como mudanças climáticas, migração e desenvolvimento sustentável. O desafio imediato, contudo, será consolidar a legitimidade da OEA como um fórum confiável para o diálogo entre os países das Américas, evitando polarizações que marcaram sua atuação nos últimos anos.

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Last Update: 11/03/2025