Considerada a fonte de energia do futuro, pelo potencial de representar até 26% da matriz energética nacional até 2028, de acordo com a projeção do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a energia solar não está livre de discussões ambientais e sociais, especialmente quando a implantação de parques solares ameaça biomas e comunidades originárias.

É o que acontece no Complexo Solar Santa Eugênia, localizado na serra dos municípios de Uibaí e Ibipeba, no interior da Bahia, onde moradores e parlamentares reclamam que as obras apresentam irregularidades, aumentam o desmatamento da Caatinga e contribuen ainda mais para o processo de desertificação da região.

“No dia 14 de maio de 2024, o Inema [Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, autarquia da Secretaria do Meio Ambiente da Bahia] concedeu uma licença a essa empresa norueguesa [Statkraft] para implantar essa usina, afetando diretamente uma área de 1.524,47 hectares de floresta de Caatinga arbórea para a implantação de 1,384 milhão de placas fotovoltaicas. Nessa área de floresta de Caatinga, nós temos lá uma fauna de mais de 200 espécies da Caatinga, entre aves, mamíferos, répteis”, pontua Edimário Machado, advogado e presidente da União Municipal em Benefício de Uibaí (Umbu).

O presidente da Umbu ressalta ainda que a região, que sofrerá diversos impactos diretos e indiretos com a implantação do complexo, reúne sítios arqueológicos, cavernas, microbacias do Rio São Francisco, duas comunidades quilombolas, serras e uma comunidade de fundo e feixe de pasto autodeclarada.

Segundo Machado, até o Inema reconheceu, em relatório, que 64 espécies da fauna local não sobreviveriam fora da floresta de Caatinga arbórea, o que representa 90% da população de animais da região. Ainda assim, a autarquia concedeu a Licença de Instalação do parque solar, suspenso Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) em novembro, a partir de uma ação civil pública.

Em reunião, instituições apontaram que a iniciativa da empresa norueguesa Statkraft, responsável pelo Complexo Solar Santa Eugênia, tem problemas com as comunidades tradicionais quilombolas, que não foram devidamente consultadas sobre a instalação conforme prevê a Convenção 69.

“Existiam, e bem próximo ao local, vastas áreas que são antigas roças, hoje pouco produtivas, que poderiam acolher essa usina solar e que reúnem as condições técnicas que estão no relatório do Inema, como planitude, incidência solar, proximidade de infraestrutura, Atendem perfeitamente”, completou o advogado.

Apesar dos relatórios e da comoção popular, que além de civis tem quase 70 instituições do território contrários à instalação do complexo, a liminar que proibia as obras foi suspensa por 90 dias, prazo para a Statkratf reapresentar os documentos. No entanto, a empresa norueguesa tem a autorização para dar continuidade ao projeto de instalação e está, segundo denúncias dos moradores, em ritmo acelerado para desmatar o bioma e garantir a área do complexo.

Histórico

Não é de hoje que a Caatinga sofre com o desmatamento desenfreado para atender o interesse de alguns. A produção ‘avassaladora’ de feijão entre as décadas de 1960 e 1980 deu início ao processo de destruição do bioma do semiárido, que está se transformando, dia após dia, em um deserto. “Hoje, a gente tem aqui uma perda de água por evaporação acima de 2 mil milímetros ano, e um regime de precipitação de chuva de apenas menos de 700 milímetros. Então, é um território que está secando”, explica Edimário.

E grande parte dos empreendimentos recentes que estão levando a região à seca está relacionada à energia renovável. Além dos complexos solares, a região também recebeu parques eólicos, cujo modelo híbrido para a geração de energia de matriz solar e eólica está causando o que Machado chama de ‘desmatamento brutal’. “Por exemplo, em Uibaí, houve a implantação de um parque eólico na cidade. E esse parque foi implantado durante a pandemia, um momento que a gente estava preocupado era saber se a gente ia sobreviver. Então, ninguém se atentou e eles implantaram um empreendimento de R$ 2,4 bilhões, com 91 aerogeradores, e pronto, esse parque está pronto.”

Além do impacto ambiental, os moradores locais reclamam da falta de reciprocidade dos empreendimentos, que não costumam deixar qualquer legado aos munícipes ou a região. “Você não vai encontrar aqui, em Uibaí, absolutamente nada. Nenhum banco de praça feito por eles, não tem um posto de saúde, uma escola, o asfaltamento de um pedaço de estrada de sinal, nada. Nenhuma condicionante, nenhuma contrapartida, eles deixaram aqui”, continua.

A Statkraft, aliás, não tem um histórico de respeito às comunidades tradicionais onde se instala. Além de instalar dois parques eólicos no território do povo Sami, os únicos indígenas reconhecidos na União Europeia, ela também desrespeitou povos originários no Chile para instalar uma hidrelétrica em um rio considerado sagrado pelos locais.

A postura da Statkraft, aliás, contrasta até com o posicionamento de seu país de origem, a Noruega, que é uma das principais doadoras do Fundo Amazônia e também se divulga como uma nação sustentável por adotar políticas e ações de preservação ambiental.

Outro porém é o assédio judicial que a Statkraft faz com as instituições da região. No último sábado, a Umbu recebeu uma notificação extrajudicial, em que o jurídico da empresa norueguesa faz acusações de invasão de propriedade privada para fotografar e fazer vídeos não autorizados das instalações, além de acusação de difamação pela publicação da legenda “terra sem vida”, que teria sido “utilizada para reforçar alegações levianas em outras postagens do Instagram”.

Procurada pela reportagem do GGN, a Statkraft não se manifestou. O espaço segue aberto para manifestação caso a empresa decida se posicionar.

Corrida contra o tempo

Para evitar que a região seja desmatada até o fim dos 90 dias previstos pela liminar, deputados e ambientalistas estão mobilizando esforços para fazer com que a empresa norueguesa aceite os locais tecnicamente indicados para a instalação do parque solar, além de galgar alguma forma de interromper as obras de instalação.

Marcelino Galo, deputado estadual pelo PT, é líder da frente parlamentar mista, para debater a temática com o Inema e o governo da Bahia. “Com essa ocupação que vem sendo feita, que eles não fazem estudo de impacto ambiental, se colocou todo esse mito aí que é desenvolvimento, que chega para a produção de energia. Agora você tem do lado ainda Sobradinho, a empresa de Sobradinho que foi construída lá, gente que mora ali perto não tem luz, não tem água, não tem saneamento”, aponta o deputado, que também é engenheiro agrônomo.

“Então se produz energia, mas não é para resolver e dar dignidade de vida às pessoas. E também o movimento ambiental discutiu muito essa necessidade de fazer a transição energética. Mas a transição energética tem que ser uma transição justa, justa do ponto de vista que faça inclusão social, justa do ponto de vista ambiental. Então você em nome de implantar uma energia dita renovável e dita limpa, você não pode desmatar. Desmatar é você quer descarbonizar a economia. Se você desmata, você está emitindo carbono”, emendou.

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Last Update: 16/01/2025