O primeiro passo do planejamento de um país é o levantamento dos fatores estratégicos de que dispõe. No caso brasileiro, um deles são os minerais estratégicos, as reservas de terras raras. O outro é o mercado de consumo interno, como plataforma para exportação para países vizinhos. O terceiro – no caso brasileiro – é a possibilidade de se produzir por aqui valendo-se de energia limpa, hoje em dia um diferencial precioso, especialmente para empresas europeias, submetidas a uma legislação ambiental mais severa.
Foi o que o Brasil fez na década de 50; e a China fez a partir da década de 90, em um movimento que a tornou a maior economia do planeta.
No início dos anos 2.000, por exemplo, a Embraer montou uma joint venture com uma empresa chinesa. Pelo acordo, ela iria transferir tecnologia para a empresa chinesa.
Na época, ponderei para Maurício Botelho, presidente da Embraer, que estava criando um concorrente. Sua resposta foi a de que os chineses aprenderiam de qualquer jeito. Pelo acordo, a Embraer poderia se beneficiar, pelo menos, de alguns anos do mercado chinês.
Na época, a palavra de ordem de toda grande corporação mundial era ir para a China.
Obviamente não foi apenas esse movimento que gerou o milagre chinês. Houve um enorme investimento para enviar estudantes chineses para as melhores universidades dos Estados Unidos, absorver a tecnologia das empresas estrangeiras que se instalavam por lá.
Outro movimento foi abrir condições para que pequenos e médios empresários, muitos provenientes da área rural, se tornassem empreendedores, gozando de financiamento abundante, novas tecnologias criadas nas universidades, mão de obra barata e um enorme estímulo para exportar sua produção.
No começo da revolução industrial, a França tinha equipamentos muitos mais avançados que os ingleses. Mas a Inglaterra criou condições econômicas para que seus empreendedores – muitos vindo da área rural – deslanchassem.
Em meados dos anos 90, lembro de ter visto um gráfico sobre a produção científica na China e no Brasil. Os chineses tinham picos em algumas áreas específicas. Mas o Brasil tinha bom comportamento em todos os ramos pesquisados.
Desperdiçou-se esse enorme potencial, com o Brasil sujeitando-se a um modelo econômico totalmente amarrado ao capital financeiro.
Agora, tem-se ensaios de política industrial em vários ministérios do governo, mas não se resolveu a questão básica, primária: o que exigir de contrapartida dos parceiros comerciais?
Tempos atrás conversei com uma acadêmica ligada à China. Dizia ela que a China era acusada de apenas comprar terras e vender seus produtos no país. Ora, sabe-se que o Brasil tem uma importância geopolítica central para a inserção da China no sul Global. Mas até agora nada foi pedido para a China, me disse a fonte.
Apenas na semana passada o Ministro das Minas e Energia anunciou a intenção de definir regras para a exploração de minerais raros.
Os automóveis elétricos chineses estão invadindo o país. Qual a contrapartida pedida? Por que não se negociou com os chineses a capacitação de empresas nacionais para suprir o setor de autopeças dos veículos? Por que não se ousou exigir sociedade com empresas nacionais? Por que não se criou, como contrapartida para a exploração de terras raras, programas de transferência de tecnologia?
Se a soja brasileira será essencial, inclusive para substituir a norte-americana, porque não se negocia capital chines para, junto com o capital e a produção agro, montarem usinas de beneficiamento?
Em 2024 o Brasil exportou 97,3 milhões de toneladas de soja em grãos e apenas 2,34 milhões de toneladas de óleo de soja. Para este ano, prevê 100 milhões de toneladas. A soja em grão sai pelo equivalente a R$ 2,24 por quilo; e óleo de soja a R$ 6,84, três vezes mais.
Vamos a umas contas simples:
- O preço de soja em grão está pelo equivalente a R$ 2,4 o quilo. O preço do óleo em soja está em R$ 6,84, três vezes mais.
- O Brasil exporta 100 bilhões de quilos de soja e 2,34 bilhões de quilos de óleo de soja.
- O faturamento da soja em grão equivaleria a R$ 224 bilhões; e de óleo de soja a R$ 16 bilhões. No total, R$ 240 bilhões.
Suponha que o país conseguisse transformar a metade das exportações de soja em óleo de soja.
A conta ficaria assim:
- Exportação de soja em grão: R$ 112 bilhões
- Exportação de óleo de soja: R$ 342 bilhões.
- Total: R$ 454 bilhões ou 102% a mais de divisas.
Ou seja, o país simplesmente dobraria o faturamento das exportações de soja se conseguisse, ao menos.
Vale para todas as demais commodities.
O país tem tudo para ser grande. Falta apenas o essencial: pensar grande.
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