A alta do preço do petróleo no exterior, em consequência do acirramento dos conflitos no Oriente Médio, impulsionou a cotação das ações da Petrobras na terça-feira 13, com avanço das ordinárias em 2,79% e das preferenciais em 2,27%, desempenho que ajudou o Ibovespa a fechar no positivo pelo quinto pregão consecutivo. Além da valorização internacional da commodity, impressionou a rapidez da absorção da notícia do prejuízo da companhia, de 2,6 bilhões de reais no segundo trimestre, anunciado cinco dias antes. O desempenho na Bolsa deixou para trás o alarido de sites de investimento e das contas de influenciadores de direita nas redes sociais, que reagiram como se o resultado negativo da companhia fosse uma evidência do fracasso da sua gestão pelo Estado, e, portanto, um motivo para privatizá-la, meta permanente desses grupos.
O prejuízo foi, porém, um efeito calculado pela companhia, estratégia bastante comum no meio empresarial quando seus controladores decidem dar ênfase a outros objetivos, além daquele de maximizar os lucros. Na condição de sociedade de economia mista sob controle do Estado, a Petrobras decidiu pagar uma dívida tributária à União, ato que reduz o lucro no curto prazo, mas ajuda o governo a fechar a conta fiscal. O balanço foi afetado também pela oscilação do dólar no período.
“Os resultados operacionais foram sólidos e ocorreram dentro do esperado. Eventos não recorrentes, como o acordo tributário com o Ministério da Fazenda, que trouxe vantagens expressivas para a empresa e para a União, e a marcante volatilidade cambial no período, sem efeito no caixa nem no patrimônio da companhia, impactaram a contabilidade interna da empresa, afetando também o resultado do trimestre”, detalhou a presidente da empresa, Magda Chambriard, em comunicado à imprensa.
O acordo mencionado pela executiva foi fechado em junho, quando o Conselho de Administração da empresa aprovou o pagamento de 19,8 bilhões de reais mediante acordo de transação tributária com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com um desconto de 65% sobre a dívida original, de 44,8 bilhões de reais. A decisão encerrou litígios da companhia com o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), relacionados à tributação de remessas ao exterior para pagar afretamento de embarcações. A negociação permitiu à estatal obter desconto significativo em uma questão com pequena probabilidade de vitória na Justiça, e também possibilitou à Fazenda uma receita adicional que favorece o cumprimento das metas fiscais. Segundo a Petrobras, o acordo trouxe também maior previsibilidade para o dispêndio de recursos pela companhia e evitou custos financeiros com a manutenção de garantias judiciais e outras despesas processuais.
O recente prejuízo atiçou a sanha dos privatistas, mas a forte geração de caixa é o fato mais relevante
A informação mais importante do balanço do bimestre não foi, porém, o prejuízo que atiçou a sanha de rentistas e privatistas, mas o fato de que a Petrobras teve forte geração de caixa, de 47,2 bilhões de reais, superior àquela obtida no primeiro trimestre do ano. A geração de caixa, ou, na linguagem contábil, o fluxo de caixa operacional, é um dos indicadores mais importantes de uma empresa, por demonstrar sua capacidade de gerar recursos a partir de suas operações regulares. O lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês), que é outro indicador muito utilizado pelos analistas de investimentos, totalizou 49,7 bilhões de reais.
No mesmo período, a dívida bruta da Petrobras apresentou queda de 2,2 bilhões de dólares, o equivalente a 3,6%, em comparação ao trimestre anterior, com um saldo de 59,6 bilhões de dólares. A dívida financeira diminuiu em 1,4 bilhão de dólares, o equivalente a 5,1%, para 26,3 bilhões de dólares, o menor nível desde 2008. Outro exemplo da maior sintonia da Petrobras com a política econômica do governo em relação à administração anterior da companhia, com benefícios mútuos, cabe ressaltar, é o impulso em direção ao aumento da produção interna de petróleo e gás, que possibilita reduzir as importações de combustíveis e ajuda a elevar o já expressivo saldo comercial do País, além de contribuir para o desenvolvimento de toda a economia industrial local ligada à produção interna de derivados de petróleo.
“Com bom fluxo de caixa e dívida baixa,” sublinhou Chambriard, “estamos investindo na nossa produção de petróleo, gás e derivados, na reposição de reservas e na transição energética, de modo a garantir a sustentabilidade da Petrobras no longo prazo. Nossa maior prioridade é construir o caminho para que a Petrobras das próximas décadas continue sendo tão ou mais relevante quanto a Petrobras de hoje para o Brasil.”
Os investimentos no segundo trimestre totalizaram 3,4 bilhões de dólares, com foco principalmente em grandes projetos do pré-sal. Nos primeiros seis meses do ano, eles somaram 6,4 bilhões de dólares, em um aumento de 12,5% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Após a divulgação do balanço trimestral, além das reações negativas apontadas acima, ergueu-se também, mais uma vez, o clamor pelo pagamento dos dividendos extraordinários, tornados regra na gestão anterior da companhia. Mas a empresa deixou claro, na fala do diretor-financeiro, Fernando Melgarejo, em teleconferência com as instituições financeiras, que a distribuição excepcional de dividendos “depende da capacidade de geração de caixa futuro e também da situação do caixa presente da empresa, em relação às condições de financiamento dos investimentos no plano estratégico”. Isto é, apenas se houver caixa superior ao necessário para fazer os investimentos necessários à expansão da produção e do refino é que se fará a distribuição de dividendos extraordinários.
Além das questões ligadas ao balanço contábil do trimestre, chamou atenção o resultado positivo da conta-petróleo do Brasil, que é a diferença entre as exportações e importações de petróleo, derivados e gás natural. Alcançou 16,4 bilhões de dólares no primeiro semestre, de acordo com dados da ANP. Um resultado no qual a Petrobras tem peso determinante. O número significa aumento de 32,7% diante do mesmo período de 2023.
O resultado da conta-petróleo de 2023, de 24,7 bilhões de dólares, somado ao registrado neste ano até junho de 2024, totaliza 41,2 bilhões, 82% do total obtido em todo o governo Bolsonaro, quando chegou a 50,2 bilhões. A diferença é resultado do aumento na produção e na exportação de petróleo e derivados e da redução na importação de derivados.
É importante lembrar que a companhia, até 2023, passava por acelerado processo de venda de partes importantes da sua estrutura produtiva, a exemplo da distribuição e de parte do refino, e o governo anterior não escondia o objetivo de privatizá-la. Caso isso ocorresse, o proprietário privado provavelmente cuidaria de ocultar ao menos parte do lucro em um paraíso fiscal, para não o submeter à tributação.
Como isso não aconteceu, as operações da Petrobras “seguem contribuindo fortemente para a sociedade brasileira”, conforme destacou o relatório do segundo trimestre. Nesse período, a companhia pagou 70 bilhões de reais em tributos à União, aos estados e aos municípios, 24% a mais do que no segundo trimestre de 2023. Além disso, foram pagos 14 bilhões em dividendos ao grupo de controle, isto é, a União, totalizando “expressivos 84 bilhões de reais de retorno direto à sociedade referentes somente ao segundo semestre”, destaca o documento.
O resultado trimestral foi impactado pelo pagamento de um acordo para saldar uma dívida tributária
Cabe ressaltar ainda que a fala de Melgarejo sobre a prioridade da situação do caixa da empresa e da necessidade de realizar investimentos, em relação à possibilidade de distribuir dividendos extraordinários, marca uma mudança de rumo importante também na relação com os investidores minoritários. Com esse critério, a empresa estabelece limites para o atendimento ao interesse dos acionistas privados em relação aos cobiçadíssimos dividendos extraordinários, que são eventuais.
No começo do ano, a disputa por 43,9 bilhões de reais em dividendos extraordinários colocou o sistema financeiro, acionistas privados e imprensa em pé de guerra contra o governo. Após uma crise que envolveu vários ministérios e só foi resolvida com a intervenção de Lula, o então presidente da companhia, Jean Paul Prates, foi substituído por Chambriard e decidiu-se que metade daquela bolada seria distribuída aos acionistas, e o restante direcionado a investimentos destinados a recuperar a capacidade produtiva dinamitada nos governos Temer e Bolsonaro.
Apesar da melhora em relação ao que ocorria no governo anterior, a distribuição de dividendos continua a sacrificar investimentos, segundo o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Felipe Coutinho. Em 2021 e 2022, a relação entre os dividendos pagos e o investimento líquido foi de 804%, observa. Nos resultados consolidados de 2023 e do primeiro semestre de 2024 foi de 232,63% e 215,52%, respectivamente, enquanto entre 2005 e 2020 foi de 12,7%, em termos médios. “Ou seja, a relação entre o pagamento de dividendos e o investimento líquido no primeiro semestre de 2024 foi 18 vezes mais alta, se comparada com a média de 2005 a 2020.”
O presidente da Aepet acrescenta: “No primeiro semestre de 2024, a Petrobras, apesar de ter receita menor que Exxon Mobil, Shell, Total, BP e Chevron, entre as seis empresas, pagou o maior montante em dividendos. Além disso, foi a petrolífera que realizou o menor investimento líquido, sendo de apenas 58% em relação à média das demais”. •
Publicado na edição n° 1324 de CartaCapital, em 21 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Em nova rota’