Em noite de repressão, Câmara aprova projeto que reduz penas e favorece Bolsonaro

A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quarta-feira (10) o projeto que reduz as penas dos golpistas condenados pelo 8 de Janeiro — medida que pode antecipar a saída de Jair Bolsonaro do regime fechado — em meio a um ambiente de tensão marcado pela agressão e pelo cerceamento ao trabalho de jornalistas no plenário, além da retirada à força do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) da cadeira da Presidência.

A votação terminou com 291 votos a favor e 148 contrários, após uma sessão estendida que começou pouco depois das 23h e avançou pela madrugada. Todos os destaques apresentados foram rejeitados, consolidando o texto relatado por Paulinho da Força (Solidariedade-SP).

A proposta unifica crimes atribuídos aos participantes da trama golpista e flexibiliza regras de progressão, o que pode reduzir de modo significativo o período de encarceramento de réus já sentenciados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A decisão de levar o projeto ao plenário ocorreu após articulação entre o PL e partidos do centrão, movimento que surpreendeu a base do governo e ampliou a tensão durante a sessão. 

A esquerda tentou retirar o item da pauta, mas foi derrotados por 294 votos a 146. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sustentou que o texto estava “maduro” para deliberação e conduziu a votação mesmo após o tumulto causado pela ação da Polícia Legislativa contra Glauber Braga (PSOL-RJ) e pelas queixas de profissionais de imprensa sobre impedimentos de circulação no plenário.

Glauber havia ocupado a cadeira da Presidência em protesto contra seu processo de cassação e contra a votação da dosimetria.

O projeto pode reduzir a pena total de Jair Bolsonaro — condenado a 27 anos e três meses por liderar a tentativa de golpe em 2023 — para cerca de 20 anos, com possibilidade de transição ao semiaberto após pouco mais de dois anos de cumprimento em regime fechado. 

O texto altera parâmetros da execução penal ao permitir a unificação dos crimes imputados aos condenados do 8 de Janeiro e ao restabelecer a progressão após 1/6 da pena para delitos não hediondos. 

Pelas regras atuais, as penas são somadas e o condenado precisa cumprir uma parcela maior da sentença antes de deixar o regime fechado.

A proposta também prevê que períodos cumpridos em prisão domiciliar possam ser utilizados para remição por trabalho ou estudo — ponto que divide a jurisprudência do STF — e pode repercutir sobre outras tipificações relacionadas aos ataques, como incêndio doloso, coação no curso do processo e resistência a agentes públicos.

A noite também foi marcada por um ambiente de crescente hostilidade no plenário, que se deteriorou após a ação da Polícia Legislativa para retirar Glauber Braga da Mesa e pelas restrições impostas à imprensa durante a sessão. 

A combinação de tumulto, pressa para votar e manobras regimentais reforçou a percepção de atropelo relatada por parlamentares da base do governo e da oposição de esquerda, que acusaram a Presidência da Câmara de conduzir a deliberação sob pressão do Partido Liberal, de Jair Bolsonaro, e de setores do centrão.

As cenas geraram reação imediata de parlamentares, que viram no episódio um sinal de desequilíbrio institucional. 

Para Orlando Silva (PCdoB-SP), o conjunto de episódios — das restrições impostas à imprensa à remoção de Glauber Braga — expôs um ambiente de “dois pesos e duas medidas” no tratamento dado a parlamentares. 

“A imprensa sendo impedida de exercer seu trabalho e parlamentares com restrições ao direito de circular livremente na Casa do Povo”, afirmou.

Orlando menciona a ocupação promovida por deputados da extrema direita, em agosto, quando a cadeira da Presidência foi tomada de forma irregular por quase dois dias, interrompendo votações e o funcionamento da Casa sem que a Polícia Legislativa fosse acionada para retirá-los

“O Parlamento deve ser sempre um espaço de diálogo, transparência e respeito às instituições democráticas. Episódios como esse acendem um alerta e nos convidam à reflexão para que práticas autoritárias, que marcaram períodos difíceis da nossa história, não se repitam”, disse.

Já Jandira Feghalli (PCdoB-RJ) classificou a votação como expressão de uma legislatura “sustentada na hipocrisia, na mentira, na violência e no desrespeito à Constituição brasileira”, afirmando que o acordo que viabilizou o texto significou “vender a democracia por acordos eleitorais”. 

Para a deputada, o gesto representa uma vitória de grupos que “apoiam tortura, assassinato e ditadura” no momento em que ainda tramitam julgamentos sobre a tentativa de golpe.

Renildo Calheiros (PCdoB-PE) também criticou a condução da sessão, afirmando que episódios ocorridos “acendem um alerta” sobre o ambiente político da Casa. 

“Defender a democracia é garantir liberdade de imprensa, respeito aos parlamentares e o pleno funcionamento das instituições. Seguimos atentos e firmes na defesa do Estado Democrático de Direito”, afirmou.

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