Olá, camaradas! Antes de mais nada, quero saudar este espaço de trocas, escutas e debates no 16º Congresso do Partido. Esta é uma oportunidade de atualizar nossa tática, aprofundar a reflexão sobre os rumos do Brasil e do mundo e pensar em como revigorar e reposicionar o PCdoB, aprimorando nossos métodos e potencializando nossa ação política.
Como enfermeira e deputada federal do PCdoB, acumulo uma trajetória de lutas ao lado dos trabalhadores da saúde, especialmente da enfermagem. Sou concursada em dois municípios, fui presidenta do Sindicato e do Conselho Regional de Enfermagem, além de ter cumprido três mandatos como deputada estadual no Rio de Janeiro.
Dessa forma, quero contribuir neste espaço de debates provocando o Partido a refletir sobre nossos posicionamentos em relação à gestão da saúde pública. Para começar, acredito que devemos avançar em nossa análise sobre o papel das Organizações Sociais (OSs), que hoje administram diversas unidades de saúde em estados e municípios de todo o Brasil. Eu sou contrária ao modelo de gestão por OSs e vou expor alguns motivos.
Antes, é preciso destacar o valor histórico e a importância do SUS. Toda a minha trajetória foi marcada pela defesa da saúde pública, universal, de qualidade e com participação social. O SUS foi uma grande conquista do movimento social organizado e tornou-se cláusula constitucional no processo constituinte de 1988. Antes da Constituição, o acesso à saúde pública era restrito a quem tinha vínculo formal de trabalho, deixando grande parte da população desassistida. A criação do SUS não apenas universalizou o atendimento, mas também garantiu a participação de trabalhadores e usuários na gestão por meio dos conselhos municipais, estaduais e distrital de saúde. Mesmo com dificuldades e limitações, o SUS tornou-se referência nacional e internacional, atendendo desde a atenção primária até procedimentos de alta complexidade.
Entretanto, a ascensão do projeto neoliberal no final dos anos 1990, com o governo FHC, introduziu a lógica de redução do papel do Estado e de amplas privatizações. Foi nesse contexto de reformas administrativas liberalizantes que surgiram as Organizações Sociais como forma de terceirizar funções estatais. Essa lógica impregnada no Estado também se aprofundou nos governos seguintes, inclusive nos progressistas de Lula e Dilma.
Atualmente, muitos municípios e estados não realizam mais concursos públicos para a saúde, já que são as OSs que contratam os trabalhadores. Em geral, esses profissionais recebem baixos salários, sofrem com vínculos precários e muitas vezes não têm garantido sequer o piso nacional da enfermagem. Na prática, perdem direitos fundamentais da classe trabalhadora, como o de greve ou de reivindicar melhores condições de trabalho. Nesse cenário, o movimento sindical enfraquece, pois os trabalhadores vivem sob constante ameaça de demissão, como em empresas privadas.
Além disso, por serem entes privados, as OSs não garantem transparência na gestão dos recursos públicos. Diversos escândalos de corrupção foram denunciados nos últimos anos, com contratos viciados que frequentemente beneficiam grandes grupos privados de saúde. Fraudes envolvendo troca de CNPJs e outras manobras são recorrentes.
Tudo isso compromete a qualidade do atendimento à população e fragiliza os direitos dos trabalhadores. Nossa categoria, tão aplaudida durante a pandemia da Covid-19 por estar na linha de frente, continua exausta diante de tanta exploração e falta de reconhecimento. Seguimos firmes na luta pelo piso salarial nacional e pela jornada de 30 horas semanais, luta que pode se concretizar com a aprovação da PEC 19/2024, atualmente parada no Senado Federal.
Diante desse cenário, é fundamental apontar caminhos que fortaleçam o SUS sem cair na lógica de uma gestão totalmente privatizada. É preciso criar novos mecanismos de fiscalização e controle, garantindo mais transparência e a efetiva participação sindical das categorias profissionais nesse processo. Além disso, investir na realização de concursos públicos para a área da saúde é indispensável para assegurar continuidade, compromisso com o serviço público de qualidade e valorização dos trabalhadores. As Organizações Sociais podem até ser parceiras em situações específicas, mas não devem ocupar o lugar central da gestão.
Por tudo isso, acredito que o nosso Partido deve reafirmar-se como defensor intransigente do SUS, da integridade e da transparência na gestão da saúde pública. Precisamos sustentar a defesa de um sistema universal, que atenda a todas e todos, com amplo controle social, capaz de garantir atendimento de qualidade ao povo brasileiro. Este é um elemento essencial para a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento.
*Enfermeira, deputada federal, foi três vezes deputada estadual (PCdoB-RJ), ex-presidenta do Sindicato dos Enfermeiros e do COREN-RJ.