O sistema político e econômico da China segue sendo um dos alvos favoritos de articulistas de direita, que tentam se vender como analistas neutros e técnicos. Mesmo em meio à irresponsável guerra tarifária imposta por Donald Trump — na qual o país asiático tem se notabilizado por uma postura altiva — a China vira uma espécie de culpada pelos delírios do líder extremista republicano.

Exemplo dessa obsessão é o colunista da Folha de S.Paulo, Demétrio Magnoli. Em artigo publicado nesta sexta-feira (18), ele critica o fato de a China representar 19% do PIB global, mas responder por 32% da produção industrial mundial. “O desequilíbrio, cujas implicações contribuíram para a ascensão de Trump, não é sustentável”.

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Entre outros pontos, também condena o modelo exportador da China, que, segundo ele, “ancora-se no excesso de poupança doméstica – ou, dito de outro modo, num consumo interno reprimido”. E complementa dizendo que “o segredo repousa no sistema político totalitário, que mantém baixos salários, veta políticas de bem-estar social e recusa-se a erguer um sistema decente de seguridade social”.

Problema com a verdade?

Elias Jabbour, geógrafo e professor da Faculdade de Economia da Uerj e um dos autores do livro “China, o Socialismo do Século 21”, resolveu responder a essa cantilena. Pelas redes sociais, apontou que o articulista repisa “um besteirol em série, repetido pela extrema-direita trumpista e a esquerda ‘radical’”.

Como contraponto aos seus argumentos, Jabbour lembra que o “modelo exportador” chinês, que representou 18,9% do PIB mundial em 2024, teve investimentos corresponderam a 41,3% do PIB em 2023.

Nesse sentido, sobre o tal “excesso de poupança doméstica”, aponta que Magnoli “acha que as pessoas primeiro poupam, depois trabalham” e “se esquece que a poupança é função da renda e, por sua vez, do investimento”. O geógrafo completa ironizando: “Com uma taxa de investimento acima de 40% nos últimos 25 anos, a taxa de poupança deveria ser… baixa? Nesse caso, o rabo não abana o cachorro”.

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Em relação ao tal “consumo interno reprimido”, pontua que o colunista é “da turma que trabalha como um jogo de soma zero entre consumo e investimento; isso é pior do que terraplanismo”. Ele aponta que entre 1996 e 2021, “o crescimento médio do consumo privado na China foi de 9% e entre 2008 e 2021 foi de 8%, enquanto para ambos períodos, “os EUA tiveram 2,4% e 1,7% e a OCDE 2% e 1,4%”, respectivamente.

No que tange ao suposto “sistema político totalitário”, o professor alfineta, comparando indiretamente a países como os EUA: “numa ironia fina, podemos dizer que na China não existe uma democracia que permite que uma ou duas alas de uma casta de bilionários controlem o país. Uma distopia, né?”.

Outro ponto rebatido por Jabbour diz respeito aos “baixos salários”: “os salários na China cresceram, entre 2014 e 2023, cerca de 170%. Ou seja, acima do crescimento do PIB, inflação e produtividade do trabalho. No resto do mundo, estagnação”.

Quanto ao argumento de que a China “veta políticas de bem-estar social e sistema decente de seguridade social”, lembra que “um welfare state não cai do céu e nem se trata de uma escolha política pura e simples. Demanda, também, condições objetivas. Em qualquer comparação sobre crescimento/decrescimento de investimentos sociais, pensões, cobertura médica etc., na China aparece uma curva crescente, enquanto no resto do mundo, descendente”.

Por fim, questiona: “Qual o problema com a verdade?”.

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Last Update: 19/04/2025