A desistência de Joe Biden de concorrer à reeleição em novembro próximo obrigou o Partido Democrata a encontrar um novo candidato à presidência dos Estados Unidos. A escolha natural foi a atual vice-presidente Kamala Harris.
Kamala Harris beneficiou-se da teimosia de Biden, pois se tivesse havido uma eleição primária competitiva com Biden fora da disputa, dificilmente ela seria a candidata escolhida. Agora, precisa oferecer esperança para os Estados Unidos.
Filha de imigrantes, Kamala Harris fez uma carreira política de sucesso na California, onde ocupou o cargo de procuradora geral antes de ser eleita senadora e vice-presidente. Tem, a seu favor, o fato de ser relativamente jovem tanto em relação a Biden quanto em relação a Trump. Também pode lhe trazer novos apoios o fato de ser mulher e ser negra.
No espectro político é considerada uma política de centro em seu estado, a California. Mas como afirmou a Economist, “Um centrista da costa oeste não é um centrista nos estados decisivos que ela deve vencer”. É considerada mais à esquerda do que Biden, mas não a ponto de alarmar a elite conservadora norte-americana.
A China é o saco de pancadas preferido tanto de democratas quanto de republicanos. Caso eleita, certamente não haverá mudanças substanciais na política externa dos Estados Unidos em relação a temas relevantes como o apoio americano para Ucrânia, Israel e Taiwan, bem como à política de confrontação com a China e a Rússia.
Pesquisas realizadas logo após sua confirmação como a nova candidata do Partido Democrata indicam que a vantagem anterior de Donald Trump em relação a Biden diminuiu. Algumas, inclusive, já apontam Kamala à frente.
É preciso, contudo, estar atento às peculiaridades do sistema eleitoral norte-americano. A escolha do candidato a vice-presidente em cada uma das chapas é importante. No caso da chapa democrata, muitos defendiam que o candidato a vice deveria sair de um desses “estados-pêndulo”, o que apontava para Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, Mark Kelly, senador do Arizona, Tony Evers, governador de Wisconsin ou a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer. A escolha, contudo, recaiu sobre o governador de Minnesota, Tim Walz.
A escolha de Tim Walz foi elogiada pela maioria dos comentaristas, embora haja dúvidas se ajudará tanto Kamala eleitoralmente. Segundo Perry Bacon Jr., “O governador de Minnesota, Tim Walz, é uma ótima escolha para vice na chapa de Kamala Harris, trazendo sagacidade legislativa e política e uma nova perspectiva para a composição. O único aspecto negativo: não está claro se esse movimento ajudará Harris tanto assim eleitoralmente.”
A escolha de Walz também trará uma nova perspectiva tanto à campanha quanto à Casa Branca se ele e Harris forem eleitos. Em um partido dominado por advogados e moradores de áreas urbanas, o governador de Minnesota vem das cidades pequenas de Nebraska e foi professor de estudos sociais para alunos do ensino médio e treinador de futebol americano antes de entrar na política.
Um dos grandes problemas de Biden, afora a desconfiança do eleitorado sobre sua capacidade física e mental de levar a bom termo um segundo mandato que iniciaria já aos 81 anos, era a dificuldade de capitalizar politicamente sobre os dados positivos da economia, nomeadamente as baixas taxas de desemprego, e de dissociar-se dos dados negativos, nomeadamente a inflação.
A expectativa dos estrategistas de campanha do Partido Democrata é que seja mais fácil para Kamala se dissociar dos problemas econômicos. Segundo Colby Smith e James Politi, do Financial Times, “A provável candidata democrata já está adotando os aspectos mais populares dos planos e conquistas legislativas de Joe Biden e tentando deixar em evidência as diferenças em relação às propostas de Trump. Por outro lado, a candidata espera ser menos afetada do que o atual presidente pela crise gerada pelo elevado custo de vida nos últimos anos.”
A escolha do jovem senador por Ohio J.D. Vance para candidato a vice-presidente, não parece ter agregado muito à campanha de Trump. Ao contrário, reforça alguns aspectos negativos. Conforme observa reportagem da Folha de S. Paulo, “Vance tem opiniões que devem dificultar o apelo de Trump a um eleitorado menos extremista: enquanto o ex-presidente defende uma postura moderada em relação ao aborto, por exemplo, o senador já apoiou a proibição adotada no Texas do procedimento e criticou exceções feitas para casos de estupro e incesto.”