O Líbano foi dominado pela França até 1943, quando se torna independente. Mas a França continua tendo uma influência política direta no país, com autoridades francesas intervindo até mesmo na formação dos governos. Mas o principal imperialismo dominante no país é o dos próprios Estados Unidos que age de forma prepotente e violenta, embora deixe as ações militares contra o Líbano por conta de Israel. Ao contrário de outros países, como os integrantes da Liga Árabe, a Arábia Saudita e até mesmo o Iraque, não há nenhuma contribuição positiva dos EUA ao país seja econômica, social ou política. Há, sim, contribuições negativas: os EUA proíbem as Forças Armadas do país de terem poder ofensivo, o que as tornou inúteis para os enfrentamentos com Israel, que ficaram a cargo do Hesbolá.

Na luta contra a ocupação israelense um grupo rompeu com o Movimento Amal, um grupo político que se tornou uma das mais importantes milícias muçulmanas xiitas durante a guerra civil libanesa, e formaram um movimento que foi denominado Amal Islâmico. Pouco depois, essa organização aliou-se a outros grupos e criou o Hesbolá. 

O grupo anunciou oficialmente a sua criação em 1985, publicando uma “carta aberta” que identificava os Estados Unidos e a antiga União Soviética (URSS) como os principais inimigos do Islã. No polêmico manifesto, o Hesbolá também levantou a destruição de Israel como um objetivo fundamental. Em 1992, participou pela primeira vez nas eleições nacionais, obtendo mais assentos do que qualquer outro partido. 

O grupo militante libanês havia entrado em confronto direto pela última vez com Israel em 2006. Naquele ano, militantes do Hesbolá lançaram um ataque transfronteiriço no qual oito soldados israelenses foram mortos e outros dois raptados. O Hesbolá exigiu a libertação dos prisioneiros libaneses em troca de soldados israelenses. Mas a resposta de Israel ao ataque foi rápida e violenta. Aviões de guerra israelenses bombardearam redutos do Hesbolá no sul do Líbano e nos subúrbios ao sul de Beirute, enquanto o Hesbolá disparou cerca de 4 mil foguetes contra Israel. Mais de 1.125 libaneses, a maioria deles civis, morreram durante os 34 dias de conflito, bem como 119 soldados israelenses e 45 civis. O exército de Israel sofreu uma derrota total e se retirou das terras ocupadas.

Apesar da vitória sobre Israel, o Líbano sofreu uma grave crise econômica a partir de 2019. O Banco Central do país havia mantido uma ficção monetária, com câmbio fixo e forte entrada de capitais no país, o que deu uma aparente estabilidade e crescimento econômico. O problema é que a economia libanesa é primário exportadora, sem que haja uma grande commoditie na sua balança comercial. Com as crises financeiras que se sucederam após 2001, em especial após a crise de 2008, quando o fluxo internacional de dólares refluiu e ficou impossível de se manter taxas de juros altas para atrair o capital estrangeiro. A queda rápida desse fluxo de capitais pode ser atribuída também a fatores políticos, pois o Líbano sempre foi visto pelo imperialismo como hospedeiro de grupos considerados terroristas como o Hesbolá. 

Com a falta de dólares para honrar as aplicações, os bancos fizeram uma operação confisco, semelhante à feita no Brasil pelo Governo Collor. Bloquearam as contas correntes, estabelecendo limites para pagamentos ou saques e cancelaram os depósitos em dólares. Isto resultou perda de poder de compra dos salários, aumento do desemprego em 40% entre os jovens e uma hiperinflação que encareceu até os bens primários. Além de uma dívida pública de mais de 170% do PIB, alimentada por uma enorme expansão de gastos públicos agora sem uma receita que pudesse suportá-los. A crise foi resolvida com a renúncia do 1º. Ministro e atribuindo-se toda a culpa do descalabro financeiro ao presidente do Banco Central, que, no entanto, só foi substituído em julho de 2023. O Líbano ficou sem presidente por dois anos devido ao impasse político. Após o término do mandato do ex-presidente Michel Aoun em outubro de 2022, o parlamento não conseguiu eleger um sucessor por várias tentativas. A falta de consenso entre os diferentes blocos políticos, influenciados por interesses internos e externos, dificultou a escolha de um novo presidente. 

O Líbano é um dos países cuja própria existência vem sendo colocada em questão. Ele é permanentemente pressionado pelo imperialismo norte-americano, de um lado, destruído pelas regulares ações militares de Israel, por outro. A estruturação da própria nação libanesa é fortemente prejudicada pela fragmentação determinada pelo grande número de denominações religiosas, que opõe muçulmanos e cristãos e que levou o país a uma devastadora guerra civil de 1975 a 1990, sendo o país ocupado militarmente por Israel e Síria, além da presença de forças palestinas.

Em 1990 firmou-se o Acordo de Taif, que determinou que a Assembleia Nacional deve ter igual número (64) de deputados cristãos e muçulmanos e que os cargos de presidente, primeiro-ministro e presidente da Assembleia Nacional devem ser ocupados respectivamente por um cristão maronita, por um muçulmano sunita e por um muçulmano xiita. Na verdade, a fórmula “matemática” de escolha do presidente não conseguiu sobreviver a intensa crise econômica, social e política do período, o que impediu desde Outubro de 2022 que o país tenha um Presidente. A eleição do presidente é indireta, feita pela Assembleia Nacional, que se reuniu 12 vezes sem definir por maioria o cargo que foi ocupado interinamente pelo Primeiro Ministro, Najib Mikati.

Após mais de dois anos de total impasse político, a República do Líbano finalmente elegeu seu 14º presidente – o ex-comandante das Forças Armadas Libanesas (LAF) Joseph Aoun em 9 de janeiro passado. O eleito é candidato indicado pelos EUA desde 2022. As forças de segurança do Líbano foram bastante impactadas pela crise que sacudiu o país a partir de 2019, sendo que o Banco Mundial a classificou como uma das piores do mundo desde 1850. A influência dos EUA nas Forças Armadas Libanesas é tanta que em 25 de janeiro de 2023, os Estados Unidos redirecionaram 72 milhões de dólares para o Líbano para ajudar o governo do país a aumentar os salários de seus soldados e policiais. Washington é um doador-chave do Exército libanês e seus 80.000 membros, fornecendo mais de US $ 3 bilhões anuais em ajuda militar desde 2006. Antes da crise, um soldado alistado ganhava o equivalente a cerca de US $ 800 por mês, mas isso caiu para pouco mais de US $ 100 devido à desvalorização da lira libanesa. O salário mensal de um oficial de alta patente passou a valer cerca de US $ 250. A ajuda é limitada a um acréscimo de US$ 100 ao salário dos militares e policiais por 6 meses. Além disso, os fundos são do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O anúncio da “doação” foi feito, entre outros, pelo chefe do exército libanês, general Joseph Aoun. 

O sequestro

A “eleição” foi resultado de um verdadeiro sequestro do poder nacional libanês pelos Estados Unidos, a Arábia Saudita e a França. O Líbano é talvez o único país onde haja uma total submissão dos poderes constituídos aos interesses estrangeiros. Os candidatos presidenciais não têm que apresentar programas eleitorais ou convencer a população de suas propostas econômicas, sociais ou políticas.  Desde a era otomana, passando pelo mandato francês, durante a ocupação da Síria e agora sob a influência de enviados ocidentais e árabes, a presidência do país tem sido determinada pela eleição pelo parlamento nacional. Isto faz que seus presidentes sejam escolhidos pelo imperialismo norte-americano e seus aliados árabes, nunca por seu povo.

Há grandes contradições no processo político do país, pois a questão da soberania libanesa é defendida sempre pelos líderes políticos, mas está totalmente ausente na definição do poder político de fato. O resultado das eleições presidenciais não tem voto popular, não tem, “atas eleitorais”: é ditado por agentes estrangeiros, sejam eles americanos, franceses, sauditas ou catarianos, de forma brutal, geralmente com ameaças de sanções, bloqueios e atrasos em ajudas econômicas. Os “enviados especiais impõem o candidato sem qualquer espaço para debate, reduzindo o processo eleitoral do Líbano a uma farsa geralmente regada a volumosas propinas.

O papel do imperialismo

O fato é público e notório, divulgado pela agência nacional de notícias, órgão oficial de comunicação do governo libanês. De acordo com a agência, uma sessão parlamentar dedicada à eleição do 14º presidente da República começou na presença do enviado francês Jean-Yves Le Drian, do enviado saudita Yazid bin Farhan, dos embaixadores do comitê Quint (grupo informal de tomada de decisão composto pelos Estados Unidos, França, Alemanha, Itália e Reino Unido) e uma delegação de embaixadores.

Em cada período de eleições presidenciais, não há interesse em quem o povo libanês quer, o que importa é que o eleito seja o candidato apoiado pela Arábia Saudita e o Catar e que conta com o aval de EUA e da França.

Em 1989, Elias Hrawi foi eleito presidente do Líbano como resultado do Acordo de Taif , que foi intermediado pela Síria, Arábia Saudita e EUA para acabar com a Guerra Civil Libanesa. O acordo não apenas deu início a um novo período político como institucionalizou a influência de potências estrangeiras no sistema político do Líbano. O Irã somente influencia indiretamente por meio de seu apoio ao Hesbolá que é , até agora, a única facção autorizada a reter suas armas sob a justificativa da ameaça e ocupação persistentes de Israel.

Em 1998, o ex-comandante do exército libanês, General Emile Lahoud, foi “eleito” presidente com influência direta da Síria. Seu mandato foi ampliado em 2004 por mais três anos, novamente com a aprovação de Damasco. 

Em 2008, os vários grupos libaneses celebraram o Acordo de Doha , que resolveu uma crise política de 18 meses. Sob o patrocínio árabe, esse acordo levou à eleição de outro comandante do exército, o general Michel Suleiman, como presidente, ficando clara influência estrangeira nos rumos do país.

A questão da energia

A embaixadora dos EUA, Lisa Johnson, pediu ao Líbano que “reviva” acordos adormecidos com a Jordânia e o Egito para importações de eletricidade via Síria, elogiando a “oportunidade” depois que Washington aliviou algumas restrições a Damasco nesta semana.

Os acordos que Johnson espera que Beirute “reviva” são ideia de sua antecessora, Dorothy Shea, que os propôs em agosto de 2021 como uma alternativa aos embarques de combustível iraniano trazidos para o país pelo Hesbolá, com o objetivo de mitigar uma grave crise energética.

Sob o patrocínio dos EUA, os acordos para abastecer o Líbano com gás do Egito e eletricidade da Jordânia via Síria foram oficializados em junho de 2022. As nações envolvidas também repararam o Gasoduto Árabe, enquanto Damasco reabilitou sua rede elétrica para sustentar as transferências.

No entanto, desde a assinatura dos acordos, o governo dos EUA paralisou a questão das isenções de sanções para Beirute, Amã e Cairo para iniciar as transferências, alegando que ajudar o Líbano a receber energia através do território sírio prejudicaria as sanções da Lei César dos EUA, uma brutal legislação de sanções que preparou a ruina recente do Estado sírio.

Ao mesmo tempo, o Banco Mundial, com sede em Washington, reteve o financiamento, citando as reformas necessárias no setor de energia do Líbano. A estratégia do imperialismo era usar a crise energética para forçar o governo do Libano a combater o Hesbolá.

O Líbano sofreu uma crise energética monstruosa, com apagões sistemáticos. A crise acabou por reduzir ao mínimo o número de horas de disponibilidade de energia. A situação piorou após o colapso econômico de 2019, quando a maioria das usinas de energia, que eram termoelétricas e necessitavam combustível foi fechada. A escassez de dólares impedia que o país adquirisse o combustível necessário. Na melhor das hipóteses, o Estado conseguiu fornecer algumas horas de eletricidade por dia.

O circo eleitoral 

Este ritual de submissão do Líbano aos imperialismos, se repetiu esse ano. Embora alguns políticos tenham se lançado, como o ex-ministro Ziad Baroud e o MP Neemat Frem, não tiveram apoio internacional. 

Outros nomes, incluindo o comandante do Exército, general Joseph Aoun, o ex-ministro das finanças Jihad Azour e o diretor-geral de Segurança, general Elias al-Bisri, ganharam força em grande parte devido ao apoio estrangeiro. 

O general Aoun é o candidato dos EUA desde 2022. Desta forma, pode-se dizer que a soberania do Líbano foi violentada totalmente com sua eleição. Ele foi literalmente enfiado garganta abaixo dos poderes libaneses, sem nenhum respaldo popular. Para entronizá-lo na Presidência, foi necessária uma reforma da constituição, porque ela proibia explicitamente o poder político ser ocupado por um militar. O estranho em tudo isso é que, dos 5 presidentes do Líbano desde 1990, 3 eram militares. 

Joseph Aoun iniciou sua carreira militar em 1983. Ele treinou no exterior, especialmente nos Estados Unidos e na Síria. Ele também passou por treinamento de contraterrorismo nos Estados Unidos em 2008 e no Líbano em 2013. Ele chefiou a 9ª Brigada de Infantaria do Exército desde 2015. Com total apoio dos EUA, Arábia Saudita e França, apesar da falta de amplo apoio local, Aoun foi eleito como o novo presidente do Líbano, pondo fim a um vácuo presidencial de mais de dois anos e impasse político. 

A candidatura do general foi contestada por grandes forças políticas cristãs, incluindo as Forças Libanesas (LF) lideradas por Samir Geagea , o Movimento Patriótico Livre e o Movimento Marada, cujo líder é Suleiman Frangieh. Frangieh estava cotado para o cargo há algum tempo com apoio do Hesbolá, que tem um número expressivo de votos na Assembleia Nacional. 

Na véspera da eleição, Frangieh divulgou uma nota em que desistia da sua candidatura.Agora que estão reunidas as condições para eleger amanhã um presidente da República, e tendo em conta o desenrolar dos acontecimentos, anuncio a retirada da minha candidatura, que nunca foi obstáculo ao processo eleitoral”, diz a nota. Expressando gratidão àqueles que o apoiaram, Frangieh anunciou seu endosso a Aoun, descrevendo-o como um candidato “que possui as qualidades necessárias para manter a estatura da presidência”.

As tenebrosas transações

A participação dos enviados estrangeiros como Jassim Al-Thani do Catar e Yazid bin Farhan da Arábia Saudita mostra o quanto os oficiais árabes têm mais influência política do que muitos parlamentares. O enviado de Riad, por exemplo, declarou explicitamente que a reconstrução e a estabilidade econômica do Líbano dependem da eleição do candidato que a Arábia Saudita apoia. 

A eleição não foi, no entanto, fruto de um consenso político verdadeiro. A eleição foi literalmente comprada, com o jornalista libanês Hassan Illaik denunciando no X que o valor de um voto chegou a US$ 300.000, pagáveis ​​em parcelas. Essas transações só mostram até que ponto a presidência do Líbano se tornou uma mercadoria em um mercado dominado por compradores estrangeiros.

Para a maioria da população, especialmente os trabalhadores, a situação não poderiam ser pior. Ao mesmo tempo que os políticos e enviados estrangeiros se envolviam em “tenebrosas transações” o país continua em uma situação de crise terminal. Mais de 70% da população está passando por pobreza multidimensional de acordo com relatório do Banco Mundial e bilhões de dólares em depósitos bancários evaporaram desde a crise de 2019.  Um dos candidatos presidenciais afirmou que, nas reuniões com parlamentares, nada foi discutido sobre a crise econômica urgente, mas sim a questão das armas do Hesbolá e sua posição sobre resoluções internacionais.

A estranha posição do Hesbolá

No processo de discussão política anterior às eleições, o Hesbolá e o Movimento Amal – membros importantes do Eixo da Resistência, não debateram questões internacionais , priorizando algumas demandas específicas para a questão interna. O objetivo era conseguir reduzir os danos resultantes da invasão israelense, que produziu grandes prejuízos em Becá, no sul do Líbano e nos subúrbios ao sul de Beirute.

As demandas do Hesbolá e seu aliado centravam na obtenção de que há um compromisso com a reconstrução do país, a influência dos grupos na nomeação do próximo comandante do exército e uma perspectiva de desenvolvimento econômico de longo prazo. 

Como tática eleitoral, no primeiro turno das eleições presidenciais, o Hesbolá e o Movimento Amal decidiram votar em branco, atrasando em horas a eleição do presidente. Essa atitude foi no sentido de mostrar para todos que nenhum presidente poderia ser eleito sem a aprovação deles.

Após as negociações, o grupo obteve garantias do Comandante do Exército Joseph Aoun e dos enviados sauditas, americanos e franceses em relação às suas principais demandas. No segundo turno de votação, a dupla votou em Aoun, resultando em sua eleição como presidente.

Os votos em branco no primeiro turno serviram como uma demonstração estratégica de sua influência, afirmando seu poder de veto sobre a eleição presidencial. Apesar da forte pressão de enviados internacionais, que buscavam impor seu candidato preferido, as negociações com a dupla xiita continuaram. Ao longo de quatro sessões com o conselheiro saudita Yazid bin Farhan, incluindo uma reunião final com o deputado do Hesbolá Ali Hassan Khalil, acordos foram alcançados apenas duas horas antes do segundo turno da sessão parlamentar.

Do ponto de vista interno o Hesbolá e o Movimento Amal obtiveram o atendimento às suas demandas. Eles mantiveram o controle do Ministério das Finanças, fundamental para continuar tendo poder sobre as questões da reconstrução e do desenvolvimento, sendo que a Arábia Saudita se comprometeu com os esforços de reconstrução com garantias firmes.

Mas como fica a situação externa? O Hesbolá havia se comprometido a não permitir a ocupação do norte de Israel por colonos enquanto não terminasse o genocídio em Gaza. Nada foi comentado sobre isso. Outra questão crucial é que Joseph Nuon afirmou no seu discurso de posse que caberá apenas ao Estado a posse de armas, o que significaria que pretende desarmar o Hesbolá. O próprio representante dos Estados Unidos afirmou que apoiava o candidato porque ele era inimigo do Hesbolá. É preocupante esta situação, mesmo que se alegue que essa tentativa nunca se concretizou em outras épocas. 

A ação dos EUA mostrou claramente como ele não respeita a questão da democracia e nem a soberania de nenhum país. Esta posição dos EUA nunca foi tão explícita e violenta, não se aderindo a qualquer formalidade política. De qualquer forma, ganharam a guerra sem disparar um tiro.

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Last Update: 14/01/2025