O desempenho lamentável de Joe Biden no primeiro debate da campanha presidencial, organizado pela CNN, tornou inevitáveis duas perguntas que há muito se instalaram na cabeça dos eleitores, políticos, doadores e estrategistas: não está na hora de o atual presidente jogar a toalha e admitir a falta de condições físicas e cognitivas para concorrer à reeleição? Se a resposta for sim, quem poderia substituí-lo à altura e impedir o retorno de Donald Trump à Casa Branca?
Na terça-feira 2, uma pesquisa encomendada pela própria CNN, conduzida pela SSRS, revelou: os eleitores estariam mais propensos a apoiar um candidato democrata alternativo contra Trump do que a escolher Biden. O nome que melhor atende às expectativas, segundo o levantamento, é o de Kamala Harris. Uma disputa entre Trump e Biden, aponta a sondagem, daria hoje ao republicano uma vitória por 6 pontos porcentuais, 49% a 43%. Mas, se o republicano enfrentasse a vice-presidente, as chances de os democratas manterem o controle da Casa Branca aumentariam significativamente. Em um confronto hipotético, 47% dos eleitores ouvidos na pesquisa apoiam Trump e 45%, Harris. Empate técnico. Nenhum outro nome do Partido Democrata testado na pesquisa consegue um desempenho semelhante.
A pesquisa revela ainda que o desempenho mais forte da vice-presidente contra Trump sustenta-se, sobretudo, no apoio das mulheres – 50% das eleitoras apoiariam Harris em vez do republicano, enquanto Biden ficaria na casa dos 44%. Na verdade, em todos os grupos demográficos, Harris supera Biden: entre os jovens, os independentes e os eleitores não brancos. A única exceção é entre os homens, mas nessa categoria Biden também não venceria Trump.
Ainda assim, até o fechamento desta edição, na quinta-feira 4, o democrata mostrava-se irredutível. Sua decisão de permanecer na campanha, anunciada depois de uma reunião familiar, recebeu o apoio de Harris, que refutou as declarações do deputado Lloyd Doggett, do Texas, primeiro democrata a pedir publicamente a Biden para desistir da candidatura. Em entrevista à rede de televisão CBS News na terça-feira 2, a vice-presidente reiterou que seu parceiro de chapa e de governo é o indicado do partido. “Nós vencemos Trump uma vez e vamos vencê-lo de novo, ponto final.” Sobre se estava pronta para liderar o país caso necessário, esquivou-se e disse apenas estar “orgulhosa de ser companheira de chapa” de Biden.
A maioria dos eleitores preferiria votar em um nome alternativo
Não foi a única liderança do partido a corroborar a decisão do atual presidente. Na rede social X, Barack Obama tentou acalmar os ânimos de quem entrou em pânico após o debate desastroso. “Noites de debate ruins acontecem. Confie em mim, eu sei. Mas esta eleição ainda é uma escolha entre alguém que lutou pela gente comum durante toda a sua vida e alguém que só se preocupa consigo mesmo. Entre alguém que fala a verdade, que distingue o certo do errado e o dirá diretamente ao povo americano – e alguém que mente descaradamente para seu próprio benefício. Por isso há tanta coisa em jogo em novembro.” Obama manifestou-se após os mais influentes meios de comunicação dos Estados Unidos pedirem a Biden que desistisse e desse lugar a outro democrata capaz de enfrentar – e quem sabe derrotar – Trump em novembro. No dia seguinte ao debate, The New York Times, em editorial, conclamou, sem rodeios, o democrata a servir ao país por meio da renúncia à candidatura. The New Yorker, The Economist, The Washington Post e The Wall Street Journal fizeram apelos semelhantes.
Figura em ascensão no partido, Gavin Newsom, como Harris, rejeitou a hipótese de retirar o apoio a Biden ou de tentar convencê-lo a desistir. Em entrevista à rede MSNBC, o governador da Califórnia afirmou ser “inútil e desnecessário” entrar em pânico por causa do desempenho do presidente durante um único debate. “Temos de manter a cabeça erguida e defender nosso presidente, e não lhe virar as costas por causa de uma performance. Que tipo de partido faz isso? Ele nos deu uma master class de 15,6 milhões de empregos. Isso é oito vezes mais do que os últimos três presidentes republicanos combinados. A única coisa que os últimos três presidentes republicanos têm em comum são as recessões. Os democratas entregam. Este presidente entregou. E precisamos entregar por ele neste momento. Com todo o respeito, quanto mais tempo começarmos a ter essas conversas é inútil para a nossa democracia, para o destino e o futuro deste país e do mundo. Eles precisam de nós.”
O tema que tira o sono do democrata tem, no entanto, sido debatido há tempos por muita gente. Em setembro de 2023, o senador republicano Mitt Romney, de Utah, anunciou que não buscaria a reeleição para abrir caminho a uma “nova geração”. À época, Romney sugeriu tanto a Trump quanto a Biden que seguissem seu exemplo. “Francamente, é hora de uma nova geração de líderes. Eles são os que precisam tomar as decisões que moldarão o mundo em que viverão”, afirmou durante coletiva à imprensa. Em 2020, durante a campanha presidencial e diante de Kamala Harris, ainda senadora, e de Gretchen Whitmer, governadora de Michigan, Biden autodefiniu-se como uma “ponte” para futuros líderes democratas. “Olha, eu me vejo como uma ponte, não como qualquer outra coisa. Há uma geração inteira de líderes que você viu me apoiando. Eles são o futuro deste país.”
O candidato do Partido Democrata será ungido oficialmente na Convenção Nacional da legenda em Chicago, entre 19 e 22 de agosto. Em tese, ainda há tempo para Biden encarar a realidade. •
Publicado na edição n° 1318 de CartaCapital, em 10 de julho de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Ele não larga o osso’