
Durante décadas, cubanos arriscaram a vida em selvas e mares para alcançar os Estados Unidos. No entanto, as políticas restritivas da era Trump mudaram esse cenário. A repressão e o endurecimento das leis migratórias nos EUA levaram muitos cubanos a buscar um novo destino: o Brasil, com destaque para Curitiba, capital do Paraná.
A cidade sulista, conhecida por sua infraestrutura, qualidade de vida e oportunidades no setor de serviços, tornou-se um dos principais refúgios para quem foge da crise na ilha comunista. “Mais pessoas estão chegando a cada dia. Não sei quantas vezes a comunidade já se multiplicou até agora”, disse Santiago de Posada, dono de uma pizzaria cubana em Curitiba, ao jornal O Globo.
Segundo dados oficiais, mais de 22 mil cubanos solicitaram refúgio no Brasil em 2024 — quase o dobro do ano anterior. Desde o início de 2025, o número de cubanos superou até o de venezuelanos, mesmo com a crise no país vizinho. A migração tem sido impulsionada por influenciadores nas redes sociais e por rotas mais acessíveis, como a entrada via Guiana.
A adaptação, no entanto, não é simples. Muitos enfrentam burocracia, preconceito e desafios econômicos. “Não é muito, mas é o suficiente para viver como uma pessoa”, adiantou Roberto Carlos Escriba, operador de empilhadeira. Ainda assim, os cubanos veem o Brasil como uma alternativa viável diante do agravamento da repressão em Cuba.
Curitiba se torna centro de acolhimento para comunidade cubana no Brasil
Curitiba, com seus 1,8 milhão de habitantes, tem sido o destino preferido de migrantes cubanos, atraídos pela possibilidade de reconstruir a vida. A cidade abriga restaurantes, barbearias e escolas com crescente presença da cultura cubana. “Meus filhos não iam passar por isso”, declarou Lisbet Despaigne, que escolheu o Brasil após saber de ataques a migrantes no México.
A acolhida da cidade é destacada, mas também preocupa autoridades. “Estou preocupado porque recebemos um número muito grande de imigrantes que podem trazer danos ao país”, avisou o prefeito Eduardo Pimentel. A fala revela o impacto do fluxo migratório sobre a estrutura local e a necessidade de políticas públicas mais robustas.
Grupos como o “Cubanos en Curitiba” no Facebook já ultrapassam 45 mil membros, trocando informações sobre moradia, emprego e adaptação. Influenciadores como Oscar Vasquez compartilham nas redes a emoção de encontrar mercados abastecidos e uma rotina que parecia impossível na ilha. “Os cubanos vêm aqui e entram num supermercado cheio de carne e isso dá vontade de chorar”, relatou Vasquez.
A chegada em massa também se deve à lembrança positiva deixada por médicos cubanos que integraram o programa “Mais Médicos” durante os governos petistas. Com essas referências, muitos decidiram trocar a rota para Miami por um futuro no Brasil — ainda que enfrentem preconceito e obstáculos para se estabelecer.

Crise em Cuba e política de Trump impulsionam êxodo para o sul da América Latina
As políticas do ex-presidente Donald Trump foram um divisor de águas na trajetória migratória dos cubanos. O fim das permissões especiais e o aumento das deportações geraram insegurança entre os que viviam nos EUA e frustração nos que sonhavam com o “sonho americano”. “Mais pressão, mais força, só fortalece”, opinou Oreste de la Cruz, que teve o pedido de refúgio negado nos EUA.
De la Cruz, agora lavador de pratos em Curitiba, afirma que ainda sonha em ajudar a família, mas reconhece que o Brasil, neste momento, oferece mais chances reais de estabilidade. A rota até aqui é longa e muitas vezes feita sem documentação, o que aumenta a vulnerabilidade dos migrantes. “Quem emigra sem documentos não é ninguém”, lamentou Noslen Castro, hoje youtuber em Venâncio Aires.
Com o agravamento da crise em Cuba — marcada por repressão, escassez de alimentos e apagões — estima-se que a população da ilha tenha encolhido em quase 25% nos últimos quatro anos. Muitos vendem tudo que têm ou contam com ajuda de familiares no exterior para tentar recomeçar no Brasil.
A migração também expõe os riscos do tráfico de pessoas e de agências de viagem fraudulentas que deixam famílias endividadas. Apesar disso, o Brasil tem sido percebido como rota mais segura e acessível que o trajeto tradicional pelos EUA. A expectativa de muitos é que, se houver abertura no futuro, ainda possam migrar para o norte.
Recomeços difíceis e esperança entre cubanos no Brasil
A integração não é livre de desafios. Liset Larrondo Salas, cabeleireira de Santiago de Cuba, relatou casos de racismo no trabalho. “É problema deles. Eu não vou deixar de ser negra”, pontuou. Outros cubanos citam a saudade da família, o frio e o conservadorismo como barreiras para se sentirem plenamente acolhidos.
Ainda assim, muitos seguem firmes. Gerardo Gonzales, tatuador de Havana, recomeçou a vida com a esposa, filho e até o cachorro em Curitiba. Algum dia eles falarão espanhol aqui”, apostou, indicando que a presença cubana deve crescer ainda mais.