Educação Pública em questão: uma reflexão sobre os programas Partiu-IF, Pé-de-Meia e os caminhos da educação no Brasil

por Bruno Resck

I

Em 2024, o Ministério da Educação (MEC) criou o “Programa Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades” para acesso de estudantes da rede pública à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, chamado de “PartiuIF”. De acordo com o ministério, o programa tem o objetivo de enfrentar as desigualdades étnico-raciais na educação por meio da oferta de aulas e atividades voltadas para a recuperação das aprendizagens de estudantes do 9˚ ano do Ensino Fundamental da rede pública de ensino, negros, quilombolas, indígenas ou pessoas com deficiência e renda familiar per capita de até um salário-mínimo.

O PartiuIF configura-se como um programa preparatório que oferece bolsa de permanência aos estudantes, e é estruturado em dois ciclos de formação: (i) ciclo básico com aulas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências da Natureza; e (ii) formação suplementar com oficina de redação, debates, orientação psicopedagógica e acompanhamento psicossocial e acadêmico. Cada unidade dos Institutos Federais que aderir ao programa oferecerá uma turma de 40 alunos.  Surge, contudo, um questionamento pertinente: por que o número 40? Qual lógica pedagógica sustenta essa definição numérica, que há décadas molda a arquitetura do sistema educacional brasileiro? A constituição de turmas numerosas impõe desafios incontornáveis ao acompanhamento da aprendizagem, especialmente em um programa que se propõe a sanar defasagens e promover a equidade.

Embora se configure como um programa de inegável relevância, o que se revela de forma inquietante é a ausência das disciplinas de Geografia, História, Filosofia e Sociologia. Como fomentar o pensamento crítico entre os estudantes sem o alicerce desses componentes curriculares? Estaria o atual governo adotando uma lógica utilitarista e tecnicista em detrimento de uma formação humanística e crítica?

O PartiuIF é uma iniciativa promissora aliada à política de cotas e necessária para a promoção da equidade na educação federal. No entanto, para que o programa tenha um impacto mais profundo e estrutural, é imprescindível que a formação ofertada vá além do reforço instrumental em linguagem, matemática e ciências naturais.

A inclusão das Ciências Humanas constitui uma demanda pedagógica, política e ética, indispensável para assegurar que os estudantes não apenas acessem e permaneçam na Rede Federal, mas também desenvolvam uma compreensão crítica e autônoma das desigualdades estruturais que o programa busca mitigar. É fundamental que o MEC reconsidere a estrutura curricular do PartiuIF, incorporando as Ciências Humanas no ciclo básico de formação.

II

O programa Pé-de-Meia, também criado pelo MEC em 2024, oferece auxílio financeiro-educacional a estudantes de baixa renda como incentivo à permanência na escola.  De acordo com o ministério, o programa funciona como uma poupança (vinculada à frequência escolar) para promover a permanência e a conclusão de estudantes nessa etapa de ensino, democratizando o acesso e reduzindo as desigualdades sociais fomentando a inclusão educacional entre os jovens.   Em tese, é uma iniciativa importante no combate à evasão escolar.

Programas de transferência de renda, como este, têm um papel crucial ao aliviar pressões econômicas imediatas sobre famílias vulneráveis, permitindo que os jovens continuem seus estudos. Quem vive a realidade das escolas públicas país afora, sabe o impacto causado pela transferência direta desses recursos para os estudantes.

Contudo, a fragilidade essencial do Pé-de-Meia repousa no fato de que ele adota uma abordagem tangencial, restringindo-se à permanência dos alunos na escola – uma estratégia voltada à melhoria dos índices de evasão – sem, entretanto, confrontar os problemas estruturais que comprometem a qualidade da educação pública. Enquanto os estudantes recebem um incentivo financeiro, as escolas continuam carentes de investimentos em infraestrutura, materiais didáticos e formação docente; e os professores seguem subvalorizados e condições precárias de trabalho e carreira.

Essa desconexão entre a política de transferência de renda e o fortalecimento do sistema educacional revela uma visão reducionista, que trata a educação como um problema de acesso e permanência, sem considerar a necessidade de transformações profundas no ambiente escolar e social.

III

Diga-me com quem tu andas e eu te direi quem tu és. O adágio popular representa bem a atual conjuntura do Ministério da Educação. No dia 13 de março, o Ministro da Educação, Camilo Santana, participou do “Encontro Anual Educação Já – 2025”. Evento organizado pela ONG Todos pela Educação. O ministro utilizou este espaço para fazer um balanço dos dois anos da gestão do MEC sob seu comando. Embora a rede federal de ensino tenha centenas de espaços educacionais públicos Brasil afora, a escolha deste evento privado para que o ministro apresente o balanço de sua gestão é sintomática de um ministério apinhado de institutos privados da educação.

Um brevíssimo comentário: de acordo com o site institucional da ONG Todos Pela Educação, eles fazem advocacy pela educação básica do Brasil. Qual o problema com a língua portuguesa? Não existe em nosso vernáculo uma palavra que possa substituir advocacy? A ONG é acusada de ser um braço da Fundação Lemann para promover a privatização da escola pública[i]

O governo Lula 3 adotou uma postura política clara ao conferir ampla margem de autonomia aos institutos privados de educação, em detrimento dos interesses e da voz da maioria dos profissionais da educação. Um exemplo claro desta posição foi a postura diante do Novo Ensino Médio (NEM). Embora a percepção sobre o caráter desastroso do NEM seja quase unânime entre os professores que vivenciam a realidade das escolas, o governo permaneceu inerte diante da promessa de revogação, transferindo para o Congresso a decisão política. O NEM é um projeto de interesse das organizações privadas e o ministério não travou uma disputa política junto à sociedade para alterar as correlações de forças criando as condições necessárias para sua revogação completa.

Apesar de grandes avanços na educação ao longo dos governos petistas, a atual conjuntura política e econômica merece apreensão no que se refere aos caminhos da educação pública do Brasil. A lógica econômica neoliberal, cristalizada no Novo Arcabouço Fiscal (NAF), constrange o investimento público e inibe a viabilização de reformas estruturais de médio e longo prazo capazes de garantir uma educação pública, universal, gratuita e de qualidade. Em oposição, o NAF abre espaço para o avanço da iniciativa privada na educação dando continuidade, portanto, ao programa Ponte para o Futuro do governo Michel Temer. Pode-se observar esta tendencia através do empenho do BNDES em desenvolver programas de Parceria Público-Privadas (PPPs) e da pressão exercida pelo NAF sobre os mínimos constitucionais de investimento em educação e saúde.

Os programas de transferência de renda como Pé-de-Meia e PartiuIF, aliados ao programa de Ensino Integral, possuem, certamente, um grau de relevância. No entanto, esses programas compõem uma estrutura educacional pautada pelo NEM, que atende integralmente aos interesses do setor privado da educação, contrariando a quase unanimidade dos professores das escolas do Brasil. Diante desse cenário, torna-se imperativo que o Ministério da Educação (MEC) promova uma correção de rota, resgatando o protagonismo das políticas públicas de educação voltadas ao fortalecimento do sistema público e a reconstrução de um modelo educacional verdadeiramente inclusivo e emancipador.  


[i] Ver Luis Nassif. A proposta do Todos Pela Educação para o novo ensino médio. Jornal GGN. 16/05/2023. Disponível em: https://jornalggn.com.br/educacao/a-proposta-do-todos-pela-educacao-para-o-novo-ensino-medio/

Lemann e a reforma empresarial da Educação. Luta pelo Socialismo. 25/01/2023. Disponível em

https://shre.ink/MX4q

Bruno Resck – Geógrafo – professor no IFMG campus Ponte Nova

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Last Update: 24/03/2025