Eduardo Bolsonaro e a repetição da história como farsa e tragédia

por Gustavo Tapioca

Em tempos de memória curta e discursos abafados por escândalos diários, é preciso repetir o óbvio. Eduardo Bolsonaro não é apenas o filho do ex-presidente extremista Jair Bolsonaro e o deputado relapso que fugiu para os EUA com o único objetivo de conspirar contra seu próprio país. Ele é, desde 2018, o principal operador da extrema-direita internacional na América Latina, com relações estreitas com figuras que conspiram abertamente contra a democracia em várias partes do mundo.

Nos últimos anos, Eduardo tem flertado, sugerido ou mesmo incitado a ideia de intervenção militar no Brasil pelos Estados Unidos,  para derrubar o governo brasileiro e impedir a reeleição de Lula ou de qualquer candidato da “esquerda” que venha a disputar as eleições de 2026, como se isso não fosse um resultado de eleições legítimas e democráticas. Tais discursos, por mais disfarçados em linguagem ambígua, carregam o espírito dos piores momentos da Guerra Fria, como a Operação Brother Sam, quando o governo norte-americano mobilizou apoio armado e logístico ao golpe de Estado no Brasil em 1964.

A Brother Sam e Lei Magnitsky

A Brother Sam incluia um componentes naval (um porta-aviões e seis destróiers foram enviados para o litoral brasileiro);   e um componente aéreo de sete aviões de transporte e oito caças preparados para enviar armas e suprimentos aos militares brasileiros se fosse necessário. 

Certamente pensando nisso, Eduardo afirmou há poucos dias, com seu senso de humor galhofeiro, que aguarda “a chegada de um porta-aviões no Lago Paranoá”. E Flávio Bolsonaro se referiu ao tarifaço trumpista de 50% como uma “bomba atômica sobre Irochima e a próxima será sobre Nagasaki”. 

Ao que tudo indica, Flávio estaria se referindo como Nagasaki à bomba atirada nesta quarta-feira 30, pelo governo dos EUA encabeçado por Donald Trump, oficiliazando a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF).

A Brother Sam foi montada e executada em 1964. Agora, em pleno século XXI, vemos Eduardo e seu irmão, o senador Flávio Bolsonaro, voltarem à cena com ameaças veladas e saudades explícitas da tutela militar norte-americana. A mesma que, em 1964, sustentou uma ditadura sangrenta que torturou e matou centenas de brasileiros, grande parte jovens na casa dos 20 anos de idade, atropelou e suprimiu pela força os direitos humanos mais elementares e violou a soberania brasileira.

O operador latino de Bannon

A relação de Eduardo Bolsonaro com Steve Bannon, o arquiteto da alt-right (extrema-direita alternativa) nos EUA e estrategista de campanhas eleitorais nos EUA e em várias partes do mundo, vai muito além da simpatia ideológica. Bannon já anunciou publicamente que Eduardo seria seu “braço latino-americano” no projeto “The Movement”, uma rede internacional criada para fortalecer a nova direita global em sua “guerra cultural” contra o que chamam de “globalismo e marxismo cultural .” A mudança de Edduardo Bolsonaro para os EUA com toda a família faz parte da estratégia aconselhada por Bannon.

“The Moviment” é um movimento internacional reacionário, com tentáculos nos Estados Unidos, Europa e América do Sul. Eduardo participa ativamente dele, mantém encontros com Bannon, participa de reuniões sobre estratégias de comunicação e desinformação e serve como ponte entre o bolsonarismo e nomes como Donald Trump Jr., Javier Milei (Argentina), Viktor Orbán (Hungria), Santiago Abascal (Espanha – partido Vox), José Antonio Kast (Chile) entre outros personagens da extrema-direita internacional.

Mais que isso. Eduardo Bolsonaro promoveu no Brasil eventos como a CPAC (Conservative Political Action Conference), trazendo ao país figuras antidemocráticas com histórico de ataques aos direitos civis, às mulheres, à comunidade LGBTQIA e ao meio ambiente.

O Brasil como peça de um tabuleiro antidemocrático

A atuação internacional de Eduardo tem objetivos claros. O de enfraquecer as democracias por dentro, minando a confiança nas urnas, no TSE e no STF, criminalizando a esquerda e apostando no caos institucional para justificar rupturas. Tudo isso com o apoio técnico e financeiro de think tanks e grupos ultraconservadores ligados a igrejas neopentecostais dos EUA e à indústria armamentista, outra paixão do deputado, que é próximo da National Rifle Association (NRA).

Foi assim que Eduardo tentou descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro e mantém uma obssessiva e criminosa perseguição ao ministro Alexandre de Moraes e sua família, ecoando falsas alegações de fraude nos EUA; incentivando protestos e bloqueios antes, durante e depois da derrota eleitoral de Bolsonaro, em 2022; mantendo vínculos com militares e policiais bolsonaristas que atuaram na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023; e defendendo com unhas e dentes ditaduras sanguinárias, como a de 1964 a 2005 no Brasil e a de Pinochet, no Chile; rasgando elogios ao governo Trump como um “modelo de liderança e democracia”.

A face internacional do autoritarismo brasileiro

Eduardo Bolsonaro não atua isolado. Ele é a ponta visível de um projeto internacional de desestabilização democrática que envolve grandes fortunas, manipulação digital, redes religiosas fundamentalistas e interesses geopolíticos voltados à desintegração do BRICS+, ao enfraquecimento do Estado e à privatização selvagem.

A tentativa de golpe de 8 de janeiro foi apenas uma etapa de um plano mais longo, no qual Eduardo teve e tem papel articulador, buscando apoio internacional sobretudo dos EUA de Donald Trump. Enquanto parte da imprensa finge normalidade, e setores do Congresso evitam responsabilizações, o Brasil continua convivendo com um parlamentar que age aberta e reiteradamente contra a soberania nacional.

Eduardo Bolsonaro é hoje um dos principais elos entre a extrema-direita internacional, particularmente a dos EUA, e os ataques à democracia brasileira. Esquecer quem ele é, e quem são seus aliados, é abrir as portas para que a história volte a se repetir como farsa e tragédia.

Gustavo Tapioca é jornalista formado pela UFBa e MA pela Universidade de Wisconsin. Ex-diretor de Redação do Jornal da Bahia. Assessor de Comunicação da Telebrás, Oficial de Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do IICA/OEA. Autor de Meninos do Rio Vermelho, publicado pela Fundação Jorge Amado.

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Last Update: 31/07/2025