ECOssistema ou EGOssistema Digital?

por Corinto Meffe

O emprego do conceito de Ecossistema Digital tornou-se essencial no universo da Internet para definir a reunião de pessoas, organizações, coletivos, equipamentos, tecnologias e plataformas. Este encontro ocorre em função de algumas características primárias da Internet. Aqui trataremos da característica de ser uma rede ponto a ponto (P2P).

Entende-se por P2P uma rede que “funciona tanto como cliente quanto como servidor, permitindo compartilhamentos de serviços e dados sem a necessidade de um servidor central ou hierárquica.”[1].

O que significa essa relação na prática? Por meio de uma tecnologia qualquer que faça parte da grande rede, um(a) usuário(a), um sistema, um dispositivo ou uma plataforma, podem comunicar-se de forma independente, apenas com a intermediação de uma tecnologia comum (vamos abstrair os componentes técnicos envolvidos). Sem dúvida trata-se de uma das maiores revoluções tecnológicas da Humanidade. Não há exagero na afirmação, pois essa comunicação retira das demais formas existentes a questão da hierarquia, da dependência e da centralidade.

Os dois conceitos anteriores: hierarquia e dependência abrem outras frentes de debate, mas vamos nos ater à questão da centralidade, pois ela nos ajudará a explicar bem a diferença entre o ECO e o EGO.

O registro do uso comercial da Internet data o ano de 1995 e o emprego do termo Ecossistema Digital começa a partir dos anos 2000. Essa distância acumula os avanços tecnológicos que surgiram para sustentar o conceito de ecossistema, como por exemplo a utilização de múltiplos dispositivos de acesso: computadores, notes, celulares, máquinas, Internet das coisas, entre outros.

A grande questão é que a conceituação inicial de Ecossistema Digital adotava como referência as ciências biológicas. Essa correlação pode ser observada na definição que alguns pesquisadores abordaram em Bruxelas, no ano de 2005:

“Ecossistemas Digitais são forjados em ambientes digitais por plataformas, frameworks ou estruturas conceituais, onde pessoas, grupos, equipamentos, tecnologias, processos, dados e organizações interagem de maneira semelhante aos ecossistemas naturais. Esses modelos ajudam a compreender como os componentes de um sistema digital se conectam, colaboram e coevoluem dentro de uma comunidade ou rede, influenciando e sendo influenciados por outros componentes e por outros ambientes.”[2]

Em pouco tempo mudanças fundamentais foram percebidas no conceito, como pode ser verificada na definição de uma empresa privada, no ano de 2024:

“um Ecossistema Digital é uma rede de tecnologias, plataformas e serviços digitais interligados que interagem entre si para criar valor para as empresas e os consumidores.[3]

Essas duas definições ajudam a identificar de imediato a diferença entre um Ecossistema e o Egossistema. Nota-se a retirada de alguns agentes essenciais, que encontramos na definição correlata aos sistemas biológicos. Ao mesmo tempo, no caso da segunda definição, revela-se um reducionismo ao que cria valor: somente para as empresas e os consumidores.

Enquanto o primeiro traz uma ampliação da evolução entre todos os componentes: comunidades ou redes, as restrições são visíveis na segunda definição. O problema que as diferenças não são visíveis a  “olho nu”, o que dificulta perceber as nuances entre os dois modelos. O ECO e o EGO se confundem o tempo inteiro. Talvez muitas pessoas tenham percebido somente com a comparação que esse texto trouxe.

Na prática a complexidade de um ecossistema dificulta que os leigos (e até bons entendedores) não percebam que se trata de um EGOssistema. Como isso acontece ? De forma direta, existe um emaranhado entre esses componentes que não damos a devida atenção: a propriedade, o modelo de licença, a política de acesso aos ambientes, a distribuição dos resultados e lucros, as ferramentas de trabalho, entre inúmeros outros componenentes . Em qualquer um desses itens podem existir restrições, vedações, implicações que não estão claras e evidentes.

Ecossistema Digital ainda pode ser caracterizado como um conceito recente (final dos anos 90), amplo (alcança diversas perspectivas), em disputa (atende a diversos interesses). Por isto, não há dúvida sobre a necessidade de Políticas Públicas que façam um balanceamento adequado desse poder concentrado em torno dos ecossistemas e plataformas. A questão central que a grande maioria da Sociedade ainda não percebe a diferença entre o ECO e o EGOssistema.

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Peer-to-peer#:~:text=Peer%2Dto%2Dpeer%20(em,um%20servidor%20central%20ou%20hier%C3%A1rquica%2C

[2] https://softwarepublico.gov.br/social/spb/publicacoes/software-publico-brasileiro-perspectiva-sistemica-2012

[3] https://morethandigital.info/pt-pt/o-que-e-um-ecossistema-digital-compreender-o-modelo-de-negocio-mais-rentavel/

Corinto Meffe, Funcionário da empresa pública DATAPREV desde 1989, atualmente atua na gerência de Responsabilidade Socioambiental. Articulista, escritor, poeta e pesquisador. Foi assessor da Presidência da DATAPREV e do  SERPRO; e diretor de sistemas da informação do Ministério do Planejamento. Atuou em projetos relacionados à governança de TI, software livre, dados abertos e cidades digitais. Formado em ciências contábeis, especialização em governança corporativa. Publicou dois livros, um sobre o tema Democracia nas cidades e outro sobre participação no Orçamento Público, além de diversos artigos científicos e textos em portais na internet. Coordenou inúmeros projetos do governo federal, dentre eles: Guia Livre, Portal do Software Público Brasileiro (softwarepublico.gov.br), e dados abertos (dados.gov.br). Um dos responsáveis pela coordenação e implantação do projeto OGP (Open Government Partnership) e na criação da LAI-Lei de Acesso a Informação do Brasil.

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Last Update: 19/08/2025