Na quarta-feira (13), o governo brasileiro lançou o Plano Brasil Soberano, uma resposta estruturada ao ataque econômico imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que colocou uma sobretaxa de 50% sobre dezenas de produtos brasileiros. A medida, anunciada via Medida Provisória (MP), mobiliza um conjunto de ações orçamentárias e creditícias com o claro objetivo de proteger empresas, cadeias produtivas e, acima de tudo, manter os empregos no país.
O Portal Vermelho consultou economistas para avaliar a qualidade e suficiência das medidas propostas. Foram contatados Wellington Duarte, professor de Economia da UFRN, Marcelo Fernandes, professor de Economia Política da UFRRJ e José Luis Oreiro, professor da UnB.
Para os principais economistas consultados, o pacote representa mais do que uma política econômica: é um ato de defesa da soberania nacional. “O anúncio do ‘Brasil Soberano’ representa, nesse momento, a busca por alternativas viáveis ao brutal ataque à soberania feito pelo presidente dos EUA”, afirma Wellington Duarte, professor do Departamento de Economia da UFRN.
O arsenal econômico do Brasil Soberano
O plano, articulado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e detalhado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, combina instrumentos de curto e médio prazo para amortecer o impacto do chamado tarifaço. Entre as ações propostas pelo governo e analisadas pelos especialistas, estão:
- Linha de crédito de R$ 30 bilhões via Banco do Brasil e BNDES, condicionada à manutenção dos empregos;
- Prorrogação por um ano do drawback, que suspende ou isenta tributos sobre insumos importados usados em produtos exportados;
- Diferimento tributário, adiando o pagamento de impostos como o ICMS;
- Ampliação do Reintegra (crédito tributário) para médias e grandes empresas, com alíquotas de até 3,1%, e até 6% para micro e pequenas;
- Reforma no Fundo de Garantia à Exportação (FGE), com reforma estrutural para ampliar o seguro-exportação;
- Compras governamentais de produtos afetados pelo tarifaço, destinadas a merenda escolar, hospitais e outros programas públicos;
- Seguro de crédito à exportação mais acessível para pequenas e médias empresas;
- Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego, para fiscalizar a manutenção de postos de trabalho nas empresas beneficiadas..
“Pacote é reação à ofensiva imperialista”

“O arsenal disponibilizado pelo governo é amplo e busca salvaguardar as empresas nacionais dos efeitos do tarifaço”, diz Duarte. “Mas, mais do que isso, mostra que o Brasil não se submete a chantagens.”
Duarte avalia que o conjunto de medidas forma um arsenal robusto para proteger empresas e empregos, mas lembra que a dependência comercial dos EUA expõe o Brasil às oscilações da política externa norte-americana.
O economista defende aprofundar os laços com os BRICS e ampliar a rede de parceiros comerciais, não apenas como reação à crise atual, mas como estratégia permanente de reposicionamento no cenário internacional.
Crédito e compras públicas como alívio imediato

Para Marcelo Fernandes, duas medidas se destacam: a linha de crédito e as compras governamentais. “Essa política não só ajuda os exportadores, mas permite ao governo atuar em políticas públicas, como a distribuição de alimentos nas escolas e hospitais”, explica.
Um exemplo concreto é o setor de frutas do Vale do São Francisco, um dos mais atingidos pela sobretaxa. Com o mercado americano fechado, produtores enfrentam risco de perda de produção perecível. A compra pública por estados, municípios e União pode ser um salva-vidas para essas cadeias produtivas.
Fernandes considera a linha de crédito e os incentivos tributários positivos, principalmente para pequenas empresas, que sofrem mais com restrições de acesso a financiamento. Destaca que a exigência de manutenção de empregos é um avanço em relação a pacotes de estímulo anteriores.
Para Fernandes, porém, a diversificação de mercados é vista como “fundamental” para reduzir vulnerabilidade frente a um governo hostil e imprevisível como o de Trump.
O professor vê na crise uma “oportunidade histórica” para o Brasil fortalecer sua presença comercial na América Latina e em outros mercados estratégicos.
Medidas corretas, custo fiscal controlado

José Luis Oreiro considera que o pacote, estimado entre R$ 30 e R$ 35 bilhões, está “em linha” com o que se esperava. Ele ressalta que a maior parte dos recursos — a linha de crédito — vem de bancos públicos, e não do orçamento da União. O impacto fiscal direto é de R$ 9,5 bilhões, valor que, segundo Oreiro, é “muito baixo” em comparação com crises anteriores, como a de 2008 e a da Covid-19.
“O que sai do cofre público é a renúncia fiscal, estimada em R$ 9,5 bilhões até 2026. É um valor relativamente pequeno, considerando que na pandemia gastamos mais de R$ 700 bilhões com o auxílio emergencial.”
Uma das inovações centrais do pacote é o condicionamento do apoio público à manutenção do emprego. Diferentemente de políticas anteriores, como a redução de impostos no governo Dilma sem contrapartidas claras, o Brasil Soberano exige que as empresas beneficiadas não demitam.
“Esse é um ponto fundamental”, destaca José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB). “Agora há explicitamente a contrapartida da manutenção do emprego. Isso muda completamente a lógica da intervenção estatal.”
O economista elogia a condicionalidade da preservação dos empregos e a utilização de compras públicas para absorver produtos afetados pelo tarifaço, beneficiando tanto exportadores quanto cadeias produtivas locais. Oreiro lembra que pequenos negócios indiretamente ligados à exportação — como restaurantes e fornecedores de insumos — também se beneficiam da manutenção dos postos de trabalho.
“Alimentos serão comprados e disponibilizados para a população brasileira. É um ganho social direto”, afirma Oreiro. “E indiretamente, protege também os pequenos comerciantes, como donos de restaurantes que dependem da renda dos trabalhadores dessas empresas.”
Entre o choque e a oportunidade
O tarifaço de Trump atinge 41,4% da pauta exportadora brasileira para os EUA, prejudicando especialmente setores como vestuário, máquinas e equipamentos, têxteis, alimentos, químicos e calçados. A reação brasileira combina proteção emergencial aos exportadores, estímulo à manutenção de empregos e uma estratégia de médio prazo para reposicionar o país no comércio global.
Para os economistas ouvidos, o desafio agora é transformar a crise em vetor de mudança estrutural, reduzindo a dependência do mercado norte-americano e fortalecendo laços com parceiros estratégicos — um movimento que pode definir a nova geopolítica econômica brasileira nos próximos anos.
Diversificação: a chave para a verdadeira soberania
Apesar do alívio imediato, os economistas concordam: o Brasil precisa reduzir sua dependência do mercado americano. “O governo Trump é hostil e imprevisível. Não podemos continuar vulneráveis a decisões unilaterais”, adverte Marcelo Fernandes.
Wellington Duarte vai além: “É evidente que agora o Brasil tem de ampliar seus laços comerciais com os países do BRICS — Rússia, China e Índia — e diversificar o comércio com outros países do Sul Global.” Para ele, o tarifaço de Trump não é apenas uma retaliação a Bolsonaro, mas um ataque estratégico ao BRICS, bloco que desafia o domínio econômico dos EUA.
“Trump abriu o Big Stick [porrete] contra o Brasil não por causa de Bolsonaro, mas para enfraquecer o BRICS. E contava com o apoio de políticos brasileiros fascistas para isso”, diz Duarte. “Agora, o Brasil tem a oportunidade histórica de se posicionar de forma mais assertiva no cenário internacional.”
Desafios no Congresso e a batalha política
A MP do Brasil Soberano já está em vigor, mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias. E aí reside um dos maiores desafios. A oposição, especialmente os setores alinhados a Bolsonaro, já sinaliza resistência.
“O governo agora enfrentará a oposição fascista, que se mostrou venal e anti-patriótica”, afirma Duarte. “Mas a sociedade rejeitou a ingerência de Trump. A palavra ‘soberania’ voltou ao centro do debate. Isso fortalece o governo.”
Ainda assim, especialistas alertam: o sucesso do plano depende da agilidade na implementação e da capacidade de negociação com novos mercados. Lula já iniciou esse trabalho, com conversas com os líderes da China (Xi Jinping), Rússia (Vladimir Putin) e Índia (Narendra Modi).
Uma crise que pode virar oportunidade
O pacote Brasil Soberano é, por ora, uma resposta eficaz a um ataque sem precedentes à autonomia do Brasil. Mas, como lembram os economistas, ele é apenas o primeiro passo.
“Essa crise pode ser uma oportunidade histórica para o Brasil ampliar sua influência externa, especialmente na América Latina”, diz Fernandes. “Mas para isso, precisamos de uma política industrial clara, de investimentos em logística e de um projeto de desenvolvimento nacional.”
Oreiro encerra com uma nota de realismo: “As medidas foram corretas. Mas eventualmente teremos que fazer ajustes. O importante é que, desta vez, o Estado está agindo com responsabilidade, com foco no emprego e na soberania.”
O Brasil não está apenas se defendendo. Está reafirmando seu lugar no mundo.