Wagner Gomes
Existe uma divergência crescente entre as visões do governo e do mercado, o que não chega a ser novidade. A administração federal aposta na ampliação do gasto público como motor do crescimento – elevando salários, ampliando contratações e estimulando o consumo. A percepção do mercado é que essa estratégia ignora impactos inflacionários e a necessidade de um ajuste fiscal mais sólido. O ponto de inflexão ocorreu em novembro, quando o governo anunciou um pacote fiscal ambíguo, misturando cortes e novos benefícios. A crise envolvendo o Pix e os bancos foi apenas mais um sintoma desse desalinhamento, que se soma ao esgotamento do presidencialismo de coalizão e ao protagonismo cada vez maior de um Congresso hiperativo. O governo Lula, ao longo do ano, demonstrou resistência em ajustar seu rumo, e a tendência é que essa postura se mantenha. A crença de que o aumento do gasto público garante popularidade persiste, ignorando os fracassos históricos, no controle da inflação, de estratégias semelhantes. A coalizão governista é frágil e opera sob um modelo ultrapassado de distribuição ministerial, incapaz de assegurar governabilidade efetiva. Enquanto isso, o Congresso se fortalece como um espaço de negociação baseado em emendas parlamentares, tornando-se um campo fértil para o que Fernando Gabeira chamou de “assediadores orçamentários”, tão bem personificado na figura de Arthur Lira. A disputa política de 2026 se desenha como um marco de mudança. O embate não se dará simplesmente entre direita e esquerda. A situação nos lembra o livro “Os Estabelecidos e os Outsiders”, escrito por Norbert Elias e John L. Scotton. Nele, os estabelecidos são o grupo que possui o poder e que estigmatiza os outsiders, ou seja, os forasteiros, os de fora. Hoje, a sociedade busca lideranças que se distanciem do sistema, prometendo um novo futuro e uma ruptura com os modelos que levaram o país a esse ponto crítico. Há espaço para lideranças que consigam se posicionar como alternativa ao establishment. Ser outsider não depende apenas da trajetória pessoal, mas da capacidade de se apresentar como um contraponto ao sistema, falando diretamente a uma população exaurida pelas crises e frustrada com a classe política tradicional. Tanto Lula quanto Bolsonaro são figuras polarizadoras e desestabilizadoras. O petista, por sua condução personalista da economia e crença no intervencionismo estatal; o ex-presidente, por suas investidas contra as instituições e sua retórica golpista. Esse vácuo político abre caminho para um novo perfil de liderança, alguém que possa canalizar a insatisfação popular sem repetir os erros do passado. Enquanto o Brasil experimenta um forte aumento de impostos e gastos sob Lula, a Argentina passa por um choque liberal com a “motosserra” de Javier Milei, cortando drasticamente despesas estatais. Em 2026, os eleitores terão em mãos um experimento comparativo entre dois modelos opostos, o que pode influenciar o resultado das urnas. Apesar de a eleição ainda estar distante, 2025 será o ano em que as peças desse xadrez começarão a se mover. E, ao que tudo indica, a disputa será intensa, turbinada por um xeque-mate sorrateiro, gestado por uma nêmesis plantada no seio do STF e que pode incendiar esse cenário.