Em entrevista ao Café PT, nesta quarta-feira (30), a secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Pilar Lacerda, destacou a importância histórica do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 35 anos em 2025. Segundo ela, o ECA é fruto direto da redemocratização do país, nascido da mobilização social que se fortaleceu após a Constituição Federal de 1988.

“O Estatuto vem no bojo da redemocratização do Brasil. Em 1988, a Constituição afirma que crianças e adolescentes são prioridade absoluta. Isso muda completamente o paradigma. O ECA tira a marca de que criança pobre é criminosa. Toda criança e adolescente passa a ser sujeito de direitos”, afirmou.

A secretária explicou que o Estatuto rompeu com uma lógica anterior que associava pobreza à delinquência e estabeleceu princípios fundamentais como o direito à escuta, à proteção e à responsabilização diferenciada.

“Não significa impunidade. O ECA trata do sistema socioeducativo, mas com um olhar de cuidado e responsabilização conforme a fase do desenvolvimento.”

Leia mais: Governo Lula retira 6.372 crianças e adolescentes do trabalho infantil

Legislação moderna

Considerado um dos marcos legais mais avançados do mundo no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes, o ECA, segundo Pilar, é exemplar, mas ainda encontra obstáculos para sua plena implementação.

“O problema do Brasil não é falta de lei. Temos uma das legislações mais modernas, mas só a existência da lei não transforma a realidade automaticamente. É preciso ação coordenada, recursos e, sobretudo, mudança cultural”, afirmou.

Ela apontou como herança histórica da escravidão a normalização de práticas como o trabalho infantil e a violência sexual contra meninas e adolescentes.

“A gente ainda carrega marcas de uma sociedade que foi escravagista até outro dia. É urgente que a sociedade se indigne quando vê uma criança em situação de violação de direitos.”

Direitos e deveres

Pilar também rebateu críticas conservadoras de que o ECA garantiria apenas direitos, sem falar de deveres.

“Isso não é verdade. A cada direito corresponde um dever. O direito à educação vem com a obrigação de ir à escola; o direito à saúde exige que a criança seja vacinada. O Estatuto é claro nesse equilíbrio.”

Ela lembrou ainda que crianças e adolescentes, especialmente os mais pobres e negros, ainda têm seus direitos sistematicamente desrespeitados.

“É justamente para esses que o Estado precisa atuar com mais força.”

Leia mais: Pilar Lacerda detalha ações do governo Lula para proteger crianças e adolescentes

Riscos digitais

Outro assunto de destaque na entrevista foi o alerta sobre os riscos das redes digitais para crianças e adolescentes.

Lacerda relembrou o caso de uma menina de apenas 8 anos que morreu em Brasília após reproduzir um desafio do TikTok que envolvia a inalação de spray de desodorante.

“Foi uma parada cardiorrespiratória. Ela morreu na casa do avô. Isso não é brincadeira, é um convite à morte. O avô não fazia ideia do que estava acontecendo. Precisamos ter coragem para enfrentar as big techs. Elas não querem regulação, mas é dever nosso proteger as crianças.”

Ela reforçou que o governo Lula vem liderando iniciativas para enfrentar esse cenário. Uma das ações foi o lançamento, em 2025, do Guia de Uso de Telas, material educativo destinado a orientar famílias sobre como mediar o acesso de crianças e adolescentes a dispositivos eletrônicos e redes sociais.

“O guia ajuda famílias a refletirem, por exemplo, sobre o uso do celular durante o jantar, ou na hora da brincadeira com os filhos. Tem muitos pais que estão com a criança fisicamente, mas presos ao celular. É preciso uma mudança de postura também dos adultos.”

Lei do uso de celulares nas escolas

Durante a entrevista, Lacerda também ressaltou a lei sancionada em janeiro de 2025 pelo presidente Lula, que proíbe o uso de celulares em escolas, com exceções pedagógicas e médicas. Lacerda afirmou que, apesar da resistência inicial de adolescentes, os efeitos já são positivos.

“Ontem mesmo saiu uma matéria no UOL mostrando os impactos positivos da medida seis meses depois. O recreio, que era silencioso com cada um no seu canto com o celular, agora tem barulho, brincadeira, socialização. As escolas tiveram que reabrir quadras, comprar bola, sombrear pátios. Foi uma mudança real”, contou.

Segundo ela, a medida não é rígida ou cega. Crianças com diabetes que usam o celular para medir glicemia, ou alunos com deficiência que precisam de apoio pedagógico digital, têm o uso permitido. “É uma lei inteligente e amplamente apoiada por pais e educadores.”

Leia mais: Bolsa Família tira 5 milhões de crianças da pobreza, diz UNICEF

Participação ativa dos adolescentes

Durante a entrevista, Pilar Lacerda relatou a realização de um seminário em Brasília que discutiu os 35 anos do ECA, com participação ativa de adolescentes organizados no Comitê de Participação dos Adolescentes (CPA), vinculado ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

“Eles são cerca de 40 adolescentes de todos os estados, organizados com apoio da Flacso. Através das escutas e da participação ativa, definiram inclusive o tema central da semana do ECA: justiça climática. A fala deles é muito forte. Eles dizem: ‘Nada sobre nós sem nós’,  e nós levamos isso a sério.”

Ela contou que no evento, foi exibido o filme “Manas”, sobre meninas no arquipélago do Marajó (PA), além de mesas de debate e uma aula magna de lançamento do curso de especialização em parceria com a Universidade de Brasília.

O seminário também marcou a entrega da nova edição do Estatuto, com todas as leis complementares e resoluções do Conanda atualizadas.

Cuidar das crianças é cuidar do futuro

Lacerda encerrou sua participação no Café PT com uma mensagem de esperança e mobilização.

“Esse país será cada vez melhor quando levarmos mais a sério o cuidar e proteger de cada criança e adolescente. Não podemos deixar ninguém para trás. Nosso trabalho é trazer todo mundo junto para uma sociedade de direitos.”

Da Redação

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 30/07/2025