
Um chefe do tráfico não dispõe das concessões que a política oferece a Bolsonaro. Transformado em réu por crimes graves, um traficante que ameaçasse o juiz estaria preso preventivamente antes da condenação.
Um chefe do tráfico, identificado como ameaça à ordem pública, não colocaria em dúvida os especialistas que socorrem os jornalões para dizer se isso pode ou não pode, como acontece com Bolsonaro, sob o ponto de vida dos operadores do Direito.
Se dissesse e fizesse o que Bolsonaro e os filhos têm dito e feito, um chefe do tráfico, sendo ou não um grande chefão, já teria sido contido e enjaulado pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Sem grandes questionamentos dos jornalões.
Não haveria dúvida alguma sobre os crimes de um chefão do tráfico que enviasse recados ao juiz que vai julgá-lo. Que mobilizasse seus ajudantes para reforçar as ameaças e ainda mandasse um filho para o país mais poderoso do mundo, para de lá acionar o governo deles contra o juiz, o governo e o presidente da República que o traficante considera seus inimigos.
Não há como imaginar que seria preciso convocar especialistas em hermenêuticas em latim para saber se um chefão do tráfico pode dirigir ameaças ao magistrado que cuida do seu caso.
Para saber se o traficante pode ameaçar que ou será absolvido ou o juiz que o julga pode sofrer represálias pessoais. Que seus colegas juízes também serão impedidos de entrar no país que protege o filho do ameaçador. Que a Justiça será implodida.

Um traficante jamais ameaçaria impunemente um país inteiro com chantagens, com suporte de seus asseclas no Congresso, para se livrar das acusações formalmente apresentadas contra ele. Para que deixasse de ser réu.
Pois os jornalões convocam seus especialistas para que digam se Bolsonaro comete crimes ao desafiar a autoridade de Alexandre de Moraes e ao chantagear o Supremo, o governo, o presidente da República e o país.
Troquem Bolsonaro e o filho por dois bandidos comuns, que não precisam ser traficantes. Coloquem as ameaças nas bocas desses bandidos, que podem ser contrabandistas, milicianos ou agiotas.
Substituam pai e filho por dois delinquentes sem lastro político e chamem os especialistas, para que eles digam se os dois cometem crimes graves contra as instituições e contra o Brasil, se usarem a mesma tática dos Bolsonaros.
Os especialistas somente são acionados porque Bolsonaro esteve no poder, os filhos ainda têm mandatos e as bases política e social da família são ativas e ameaçadoras.
Só por isso há várias abordagens possíveis sobre as ameaças dos Bolsonaros. Porque, se eles fossem bandidos sem grife e sem base política, tudo já estaria resolvido.
Bolsonaro estaria preso preventivamente e Eduardo seria considerado foragido da Justiça. Mas os dois estão soltos, um dentro do país que ele agride e o outro escondido, protegido e inalcançável.
Bolsonaro é um Marcola com proteção política dos seus eleitores, da família com votos, do núcleo dirigente da extrema direita, dos currais do fascismo por todo o Brasil, de pelo menos metade do Congresso, da Faria Lima e de uma velha direita que ainda o considera útil para que o antilulismo continue forte.
Só por isso está solto e faz ameaças. São evidências de que seu caso é calibrado de acordo com os humores da política, do poder econômico e também da grande imprensa que ajudou a inventá-lo.
Bolsonaro só existiu e continua solto porque foi o Marcola da política a serviço de toda a direita, e não só do fascismo, e também das corporações de mídia.