Há um paradoxo. A economia do país cresce 3%, a renda das famílias sobe acima da inflação, o desemprego diminui e os benefícios sociais se ampliam. Mas a popularidade de Lula caí desde meados de 2024. Nessa toada, há sério risco da extrema direita voltar ao poder em 2026. 

Seguramente, impacta negativamente a avaliação do governo a elevação do custo de vida, com a alta do preços dos alimentos. Uma parcela da população esperava mais de Lula em seu terceiro mandato e está frustrada. Por consequência, controlar a inflação dos itens básicos e trazer melhorias sociais mais robustas é muito importante à recuperação da popularidade. 

Mas isso, por si só, não resolve o problema principal. A extrema direita está vencendo a guerra ideológica, pois domina a disputa política e de ideias na sociedade. As notícias negativas ganham enorme repercussão popular, como a crise no INSS e a alta dos preços dos alimentos. Enquanto as noticias positivas, como o sucesso de programas sociais e o aumento da renda dos trabalhadores, são pouco conhecidas ou não são atribuídas ao governo. 

Há, assim, uma goleada da extrema direita no embate das “narrativas”. Lula encontra-se quase sempre na defensiva. O centrão e o mercado financeiro, geralmente, se aliam ao bolsonarismo. Com ajuda da mídia corporativa, exigem do governo mais austeridade, mais cortes de gastos sociais. As elites dominantes, por sua vez, não disfarçam sua movimentação para eleger um nome vinculado ao bolsonarismo em 2026, de preferência Tarcísio de Freitas. A situação é difícil e complexa. É preciso organizar a contraofensiva. 

O problema principal é de estratégia política

É superficial a avaliação de que o governo está mal por falta de comunicação. De fato, existem erros nessa área. Mas eles apenas revelam uma estratégia política falha. Lula tenta repetir o modelo dos seus mandatos anteriores. A fórmula é: algumas melhorias sociais e econômicas para o andar de baixo e conciliação com os interesses da classe dominante. Essa orientação se traduz numa governabilidade silenciosa e fria, sem mobilização social e disputa ideológica. Sem luta de classes, portanto. 

Acontece que não existe mais o contexto político e social que permitiu o sucesso relativo desse modelo conciliatório entre 2003 e 2012. O mundo e o Brasil mudaram muito, e para pior. Surgiu uma extrema direita neofascista com peso de massas, influenciando amplas camadas populares, e não somente as elites e a classe média. O bolsonarismo é um movimento mobilizador, que faz guerra política e cultural todos dias sem cessar. Além disso, e não menos importante, conta com a ajuda das Big Techs, cujos algoritmos tendenciosos nas redes sociais impulsionam conteúdos da extrema direita para milhões de pessoas. 

Mas não é só. O Congresso Nacional atualmente é pior do que sempre foi. E muito mais poderoso no arranjo de poder. Controla dezenas de bilhões em emendas e impõe, na prática, um regime semi-parlamentarista, deixando continuamente o governo com a faca no pescoço. O  controle do Congresso pelo centrão obedece aos ditames do agronegócio, do mercado financeiro, dos donos de igrejas e dos lobbies dos grandes capitalistas. Os quais estão em aliança política com a extrema direita na maior parte das vezes, mesmo quando ocupam cargos no governo federal. 

Com a terrível relação forças no Congresso, as negociações com o centrão só podem resultar em concessões sucessivas do governo Lula às forças reacionárias. Vejamos alguns episódios recentes lamentáveis. Líderes do governo, como Jaques Wagner e Randolfe Rodrigues, ambos do PT, foram vergonhosamente complacentes com o PL da Devastação para não desagradar aliados da direita, como Davi Alcolumbre, presidente do Senado. A defesa de Marina Silva pelo governo, diante dos ataques misóginos e racistas, deveria ter sido mais enérgica desde o início. Lula precisa vetar esse projeto que abre de vez as porteiras à destruição ambiental. 

Vale notar, também, a enorme pressão da direita liberal e da grande mídia, vocalizando os interesses da Faria Lima, para que Haddad volte atrás no aumento do IOF e anuncie novas medidas de austeridade. Isso mesmo depois do governo determinar o bloqueio de R$ 30 bilhões do orçamento, para cumprir as rígidas regras do arcabouço fiscal. Na terça (3), o Ministro da Economia acenou com novos recuos, inclusive prometendo apresentar, daqui uns dias, “reformas estruturais” para conter o déficit fiscal em acordo com Hugo Motta e David Alcolumbre.  

A estratégia conciliatória da frente ampla, que renuncia à luta ideológica e à mobilização social e aposta tudo na negociação com o andar de cima, prepara uma derrota amarga em 2026. Ainda há tempo para mudar de rumo, mas não resta muito.

Por um giro estratégico à esquerda

Há programas progressivos do governo. O mais importante deles é o projeto de isenção de IR a quem ganha até R$ 5 mil e a taxação dos super-ricos. Além disso, está previsto o anúncio da ampliação do Vale Gás e do Luz para Todos, beneficiando cerca de 60 milhões de pessoas com gás  e energia gratuitos. O governo promete também um programa de crédito subsidiado para compra de motos e reformas de casas. Ainda falta o governo assumir, de verdade, a defesa do fim da escala 6×1. 

Todas essas medidas são positivas e podem ajudar o governo a recuperar popularidade. Porém, se anunciadas de forma dispersa, separadas da apresentação de um projeto de país contraposto ao vértice ao da extrema direita, será difícil empolgar a base social ampla que elegeu Lula. Pior ainda será se o governo ceder à pressão da burguesia pelo aprofundamento do ajuste fiscal em cima das áreas sociais e do salário mínimo. 

Importa sublinhar o grave equívoco do governo e de parte da esquerda quando abrem mão da luta na chamada agenda cultural e “de costumes”. Em nome de uma suposta concentração na pauta “econômica”, deixam terreno livre para a ofensiva ideológica da extrema direita em bases misóginas, racistas e LGBTfóbicas. O problema parte da compreensão equivocada sobre o que é a classe trabalhadora brasileira concretamente. Como se a condição racial, de gênero e de orientação sexual não fosse determinante na vida da maior parte do nosso povo nas suas relações de trabalho e sociais como um todo. O “econômico” e a vida real estão atravessados por isso, não podem ser entendidos sem isso. Basta pensar quem são as pessoas que compõem a ampla maioria dos trabalhadores em escala 6×1, por exemplo. Jovens, mulheres, negros, LGBTQIs e periféricos. 

A esquerda precisa fazer uma disputa estratégica sobre o Brasil que queremos construir. Um país em que a juventude trabalhadora esteja condenada aos baixos salários e empregos precários? Ou um Brasil com empregos de qualidade baseado no desenvolvimento tecnológico, industrial e ambiental? Um país em que os ricaços não pagam imposto, enquanto o povo trabalhador e a classe média se endividam cada vez mais? Ou um Brasil no qual os rentistas e os bilionários sejam taxados para ajudar a financiar educação e saúde de qualidade para todos? Um país que vai seguir com o genocídio e o encarceramento em massa da juventude negra e com o brutal nível de violência contra as mulheres e as pessoas LGBTQIA+? Ou um Brasil que vai reparar sua dívida histórica com o povo negro e indígena e garantir efetivamente os direitos  das mulheres e da população não heterossexual?

É preciso reencantar a classe trabalhadora e a juventude com um programa de transformações estruturais. Do contrário, a extrema direita seguirá capturando a insatisfação popular difusa com  a ideologia do ódio, do individualismo, da força bruta. Num mundo em que não há perspectiva de mudança coletiva, o neofascismo se utiliza do identitarismo opressor — branco, hétero e masculino — para dividir e enfraquecer a classe trabalhadora. Coloca homens contra as mulheres, brancos contra os negros, héteros contra as LGBTQIs, remediados contra os mais pobres, “desenvolvimento” econômico contra o meio ambiente, cristãos contra os comunistas. É assim que a extrema direita corrói por dentro os laços de solidariedade popular.

O fascismo se alimenta da morte da esperança coletiva. Por isso, a esquerda precisa reconstruir um projeto de mudança, para se reconectar com o povo, em particular com a juventude trabalhadora, negra, feminina e LGBTQIA+. Mas isso não será possível de mãos dadas com a direita, o centrão e o andar de cima. A esquerda não pode ser a “cara” de um sistema decadente com o qual a massas não se reconhecem.

Certamente, alianças mais amplas para derrotar a extrema direita nas eleições serão necessárias. O erro é quando esse recurso auxiliar tático se torna uma estratégia, amarrando a esquerda a um programa impotente, sem capacidade de engajamento e mobilização social e ideológica. Assim, a frente ampla se converte numa armadilha fatal. 

A esquerda e os movimentos sociais precisam se engajar na mobilização e na disputa ideológica, conformando uma frente única. O principal instrumento para isso, nesse momento, é a construção do Plebiscito Popular, que vai pautar o fim da escala 6×1 e o projeto de taxação dos mais ricos e isenção de IR para os trabalhadores. É a oportunidade da esquerda chegar a dezenas de milhões de pessoas, por meio de duas pautas populares. Dialogando com as massas, disputar ideias nas redes e nas ruas, combater a extrema direita e apresentar a esperança na luta coletiva e num projeto de transformação social.

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Last Update: 05/06/2025