Agronegócio produz commodities para exportar x Reforma Agrária produz comida para alimentar a povo. Montagem Imagem: Agência Brasil e MST

Por Marina do MST*
Para Página do MST

Enquanto o Brasil insiste em um modelo agrário concentrador que destina 76% das terras
agricultáveis para commodities de exportação, 64,2 milhões de brasileiros enfrentam
insegurança alimentar grave, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2023. Essa contradição gritante nos obriga a perguntar: por que um país que alimenta o mundo não consegue colocar comida no prato de sua própria população?

Entre os dias 8 e 11 de maio, o Parque da Água Branca, em São Paulo, será palco de uma demonstração prática de uma solução em produção de comida saudável no país: a 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária do MST reunirá camponeses de 23 estados com 1.800 produtos agroecológicos, totalizando 500 toneladas de alimentos. Este evento, que em 2023 serviu 80 mil refeições com ingredientes da agricultura familiar e doou 38 toneladas de alimentos para comunidades vulneráveis, é a materialização de um projeto onde terra, alimento e justiça social caminham juntos.

Em 40 anos de existência, o MST mostrou que os assentamentos agroecológicos geram renda e segurança alimentar. No entanto, a luta contra o modelo latifundiário arcaico que trava o desenvolvimento do país ainda é uma pauta urgente – e agora inadiável – diante da crise climática, do aumento dos preços dos alimentos e da volta do país ao Mapa da Fome.

Marina do MST. Foto: Divulgação

Somamos milhões de brasileiros convivendo com a fome e mais de 100 mil famílias Sem Terra acampadas lutando pela conquista de um pedaço de terra para morar e produzir. Enquanto isso, menos de 1% dos proprietários rurais controlam quase metade das terras. O Censo Agropecuário do IBGE de 2017, revela a ironia cruel desse sistema: são os pequenos agricultores, com apenas 23% da área cultivável, que produzem 70% dos alimentos consumidos no país, entre frutas, verduras e legumes, incluindo 87% da mandioca, 70% do feijão e 46% do milho.

Se, por um lado, a segurança alimentar se fundamenta na garantia de renda para que a população possa acessar os alimentos, por outro, pressupõe também a disponibilidade de comida. O agronegócio não supre o mercado interno, além de ser responsável por danos ambientais e conflitos no campo. Há um déficit de oferta de alimentos que seria suprido pela Reforma Agrária, com mais famílias incorporadas à produção de alimentos, equilibrando oferta e demanda, baixando preços e fortalecendo a soberania alimentar.

Exemplo Chinês x Agro brasileiro parasita

Em um panorama mundial, a China nos ensinou que erradicar a fome exige democratizar o acesso à terra. Aqui, porém, prevalece a perigosa falácia do “Agro Pop”, que esconde os privilégios do agronegócio exportador e tenta englobá-lo sob um mesmo rótulo com a agricultura familiar, como se fossem partes harmônicas de um mesmo setor. Na realidade, enquanto o agronegócio se diz apresentar como o “motor da economia brasileira”, sua contribuição efetiva é desigual: embora gere superávits na balança comercial, não equilibra as contas do país e, pior, vive às custas de benefícios fiscais, como a Lei Kandir, que isenta a exportação de commodities. Trata-se de uma relação parasitária com o Estado, na qual o
setor recebe muito mais do que contribui. Sua aliança com a extrema direita — que desmontou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e flexibilizou leis ambientais, durante o governo Bolsonaro — revela seu projeto para enfraquecer a Reforma Agrária e consolidar o poder do latifúndio, mesmo que isso custe a soberania alimentar do país.

Esta não é apenas uma questão econômica, mas de justiça histórica. A abolição inconclusa deixou a população negra sem terra ou sem reparação, e a ditadura militar completou o serviço ao expulsar comunidades tradicionais para dar lugar ao agronegócio. Hoje, quilombolas, indígenas e pequenos agricultores são guardiões dos ecossistemas que o capitalismo agrário destrói. Seus territórios preservam 80% da biodiversidade remanescente, enquanto o agronegócio responde por 90% do desmatamento ilegal. Sem Reforma Agrária, não haverá solução para o racismo estrutural nem para a crise climática.

O caminho está claro: desapropriar os 280 milhões de hectares de terras improdutivas (45% das propriedades rurais, segund56o o Incra) para criar assentamentos agroecológicos, é a medida mais eficaz para erradicar a fome e combater as mudanças climáticas, com reparação de injustiças históricas e fortalecimento da democracia.

A Feira do MST prova que outro modelo é possível – onde a terra cumpre sua função social, os alimentos são livres de venenos, e o conhecimento tradicional dialoga com a ciência. A pergunta correta não é se podemos acabar com a fome, mas quanto tempo ainda toleraremos que o latifúndio determine quem merece comer no país do agronegócio. Enquanto houver terra concentrada, haverá pratos vazios. E essa é uma escolha política, não uma fatalidade.

*Deputada Estadual do PT, no Rio de Janeiro.

**Editado por Solange Engelmann

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Last Update: 29/04/2025