Há uma enorme confusão – no governo Lula e nos setores progressistas em geral – entre publicidade e informação. Valeria a pena assistir a entrevista dada à TV GGN pelo professor Wilson Ferreira – colaborador permanente do Jornal GGN.

Uma coisa é comunicar feitos do governo. Outra, bem diferente, é entender as nuances da guerra de informações praticada especialmente pela direita, valendo-se do que o professor chama de “bombas semióticas”. São maneiras de explorar determinados fatos de maneira a se tornar o centro da narrativa. É o que o bolsonarismo e o trumpismo fazem bem, ainda que recorrendo ao ridículo.

Mesmo agredindo diariamente a mídia, Bolsonaro tornou-se centro diário das atenções com suas batatadas. Donald Trump, ao anunciar a invasão da Groenlândia ou do canal do Panamá recorre aos mesmos “truques”.

Não significa que as bombas semióticas devam recorrer sempre ao ridículo. Na sua posse, por exemplo, Lula criou uma “bomba semiótica” ao subir a rampa do Palácio acompanhado por uma fantástica diversidade de raças e cores do Brasil. Pautou todos os jornais e toda a discussão pública.

Agora, o fato mais falado dos últimos dias foi uma manipulação da imagem do Ministro da Fazenda Fernando Haddad, através de Inteligência Artificial, anunciando a suposta taxação do Pix. Nos comentários ao programa de ontem, espectadores sugeriram que o autor intelectual poderia ser um deputado gaúcho que, na pandemia da Covid, tornou-se especialista em geração de “bombas semióticas” com fake news. 

A primeira foi prevendo que a Covid terminaria em dois meses, com base em sua suposta experiência com outros surtos de gripe. Recentemente, o anúncio de um dia frio bastou para que ele revogasse todos os estudos sobre aquecimento do planeta.

Seja quem foi o autor da falsificação sobre o Pix, a questão é que o governo foi apanhado desprevenido. E continuará sendo enquanto não se entender e se preparar para, inclusive, soltar suas próprias “bombas semióticas”.

Ferreira anota, por exemplo, o anúncio do pacote fiscal pelo Ministro Haddad. O momento politicamente mais relevante para o governo foi anunciado sem pompa e circunstância. Deveria ter sido convocada uma rede nacional dando a devida solenidade ao evento, como eram, lembra ele, os anúncios do Plano Cruzado. Ao invés disso, houve uma transmissão quase informal do pacote, reduzindo sua dimensão política.

Na entrevista, foi possível separar duas ocasiões: o momento da solenidade – para os grandes anúncios – e o momento da informalidade. 

A presidente do México, por exemplo – assim como Franklin Delano Roosevelt, no New Deal, e Bolsonaro na Great Tragedy – estabeleceu um diálogo diário e informal com o público, entrando na casa do cidadão e pautando a mídia.

Além de definir estratégias para o governo, caberia a uma Secretaria de Comunicação entender a guerra semiótica e prevenir os golpes dos adversários. Daí que não basta um publicitário, especialista na comunicação. O ideal seria um grupo interdisciplinar de inteligência, preparando as “bombas semióticas” do governo e antecipando as bombas da ultradireita.

Não é apenas o golpe do Pix que é utilizado. O golpe da “gastança”, por exemplo, é utilizado diariamente pela mídia corporativa, assim como o golpe de que o desmonte do Estado trará ganhos para a população de baixa renda.

Pesquisas recentes deixaram nítido o grau de desinformação da população. A maioria acha que, com menos Estado, haverá maior bem estar. Mas a maioria é contra a privatização da Petrobras. No primeiro caso, é confrontada com uma relação um pouco complexa entre causa e efeito; no segundo, é submetida a uma questão direta.

É justamente esse grau de desinformação do cidadão médio que fez com que, em protesto contra a situação econômica, e o aumento de preços, o americano médio votasse em massa em Donald Trump – que propõe impostos de importação em massa (encarecendo a economia local) e redução de impostos dos muito ricos, afetando programas sociais.

O governo está, desde o início, pressionado entre as emendas parlamentares – que sugam o orçamento – e as acusações de “gastança”, que prejudicam qualquer política pública. Ou seja, bombas semióticas não apenas nos porões da opinião pública, mas no andar de cima.

O que faz para combater essas bombas? Nada. Eventualmente, uma declaração ou outra de Lula, exploradas da forma mais negativa possível pelo duplo mercado – a mídia corporativa criando a bomba e as redes espalhando.

Em outros tempos, JK enfrentou campanhas semelhantes. A mídia o acusava de corrupção, de desrespeito aos limites fiscais e ao constrangimento externo. As duas últimas acusações eram corretas. Só que, com a intuição de um estadista, JK conseguiu criar um clima de otimismo tal, que contagiou todo o país.

Walther Moreira Salles – sobre quem escrevi uma biografia – era muito crítico a JK. Tirou o governo de uma fria, conseguindo um empréstimo ponte de JK. Quando foi anunciar seu feito, Juscelino indagou quantos tijolos conseguiria adquirir com o empréstimo.

Mesmo crítico em relação a JK, Moreira Salles admitia que, em seu governo, toda empresa brasileira, micro, pequena, média, grande, tinha seu próprio Plano de Metas – ou seja, uma maneira de pensar o futuro. Eram as bombas semióticas de JK sendo plantadas recorrentemente, seja criando um futuro imaginário, seja nas serestas de Diamantina, identificando-se com a alma brasileira.

A sacada da subida na rampa, no dia da posse – de autoria de Janja -, foi uma bomba semiótica da melhor qualidade. Por esses dias, o influenciador que solicitou um convite para a posse de Trump, usando um “president” no nome, explodiu nos redutos bolsonaristas, ao expor a trama primária dos filhos de Bolsonaro, visando obter o passaporte do pai de volta.

A criação de um grupo interdisciplinar de inteligência, voltado para a guerra semiótica, é a melhor sugestão que apareceu nos últimos tempos para lidar com a informação do governo. Não apenas antecipando-se às bombas semióticas da dupla oposição, como planejando as próprias bombas semióticas do governo.

Leia também:

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 14/01/2025