Chamo a atenção de vocês para o artigo “Projeto Brasil: é hora de buscar a soberania climática”, publicado dias atrás.
Baseia-se nos estudos da ex-Procuradora Geral da República Raquel Dodge, e é importante para ajudar a rever toda a legislação ambiental brasileira.
A base da proposta é separar o conceito de direito ambiental do direito climático. O primeiro trata exclusivamente das ações locais destinadas a minorar a poluição – através do chamado sequestro de carbono. O segundo trata a questão ambiental de forma mais ampla, incluindo os custos de ações ligadas à preservação ambiental.
Não se trata de firula jurídica, mas de uma mudança fundamental de enfoque. O primeiro premia (de maneira tola, como veremos a seguir) as ações de cada empresa que aumenta o sequestro de carbono. O segundo considera todos os gastos de um país para preservar o meio ambiente.
Há duas maneiras de empresas do Primeiro Mundo tratarem a questão ambiental.
- a primeira é a ESG, o conjunto de práticas ambientais responsáveis, que significam responsabilidade e custo para as empresas;
- a segunda e através dos créditos de carbono, que premia empresas que aumentam os sequestros de carbono.
Essas empresas são premiadas de duas maneiras:
- O aumento do sequestro de carbono gera para a empresa créditos de carbono (certificados por empresas estrangeiras) que podem ser vendidos no mercado global.
- Possibilidade de financiamento subsidiado para aquelas empresas que aumentem a área não agricultável de suas terras.
Trata-se de um jogo malicioso, que joga a responsabilidade pela preservação do meio ambiente para os países que mais preservam o meio ambiente. E comprometem a vocação brasileira para se manter como o maior produtor de alimentos do planeta.
Tome-se o caso brasileiro.
A Constituição de 1988 tornou a Amazônia, os Cerrados e as áreas de mangue locais protegidos. Isto é, o país se responsabiliza por garantir a preservação de 80%, 60% e 40% dessas áreas. Tudo isso sem haver contrapartidas dos países poluidores.
O fazendeiro compra 100% de terras na Amazonia e só pode explorar 20%. Se conseguir reduzir ainda mais a área agricultável, gera créditos de carbono que podem ser negociados no mercado internacional.
A preservação tem um custo jamais considerado pelos países emissores de CO2. Há o custo das Forças Armadas fiscalizando a Amazônia, da Marinha fiscalizando o mangue, da Polícia Federal, do IBAMA. Justamente porque o conceito utilizado é do direito ambiental, não do direito climático.
O país perde de todas as maneiras.
As empresas do Primeiro Mundo geram poluição. Aí adquirem crédito de carbono, que lhes permite poluir mais ainda. O empresário brasileiro vende seu crédito de carbono de US$ 3 a 5/tCO₂. Esses créditos são revendidos no mercado internacional por até US$ 140,00.
Mais: a certificadora é americana. Ou seja, a auditoria de um dos grandes ativos brasileiros – o meio ambiente – está nas mãos de uma empresa estrangeira, suspeita de várias irregularidades.
Mais ainda, cria-se uma falsa responsabilidade moral do país em relação ao meio ambiente. A indústria europeia, norte-americana poluem, mas a culpa recai sobre o estrume produzido pelo gado brasileiro, justamente o país que mais contribui para o sequestro de carbono.
Como lembra Raquel Dodge, volta-se ao período do ouro, com uma legislação colonialista surrupiando a riqueza brasileira. E aprofundando os conflitos entre o agronegócio e as autoridades fiscalizadoras.
No artigo mencionado, há o detalhamento dos conceitos e sugestões sobre projetos de lei que podem mudar a situação.
É hora de rever a legislação ambiental brasileira.
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