O segundo aniversário do Agosto Verde – Mês da Primeira Infância é marcado por um avanço que deve entrar para a história como aquele que extinguiu a miséria e a fome do mapa do País, diminuiu as distâncias sociais, aumentou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e posicionou o Brasil entre os melhores países para se viver. Esse é o potencial de mudança que a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância, prevista para ser instaurada em menos de 100 dias, pode realizar quando estiver em curso, funcionando com toda a sua potência. É uma política desenhada para cuidar das crianças, principalmente as mais vulnerabilizadas, e de suas famílias de maneira integral, que pode e deve produzir efeitos positivos em cascata de maneira transversal – da educação à saúde; da segurança pública à urbanização; da cultura à ciência.
Não se trata de excesso de otimismo. Robustas evidências mostram o longo alcance das externalidades positivas fruto de iniciativas bem implementadas e bem executadas na primeira infância. Elas ocorrem em múltiplas dimensões na vida da criança e se perpetuam em suas próximas gerações.
O governo federal deu mostras significativas de que está disposto a não só cuidar das primeiras infâncias, como também a abraçar a política nacional como uma estratégia para o combate às desigualdades. Ao assinar com celeridade o decreto que estabelece a criação do Comitê Intersetorial da Primeira Infância, órgão subordinado à Casa Civil que deve orquestrar a instauração da política nacional, ele demonstrou compromisso com a causa e disposição para cumprir o que estabelece a Constituição Federal: a criança é prioridade absoluta. O termo “absoluta” deixa claro: seja em tempos de guerra, de pandemia ou de cortes orçamentários, a criança deve vir primeiro.
Além do compromisso constitucional, há diversas outras razões, inclusive éticas, para defender essa prioridade. Mas não estamos conseguindo, como País, oferecer tudo a que a criança tem direito para se desenvolver integralmente.
Um estudo do Banco Mundial mostrou que nas condições atuais do Brasil, se nada for alterado, a criança nascida em 2019 terá alcançado apenas 60% de seu capital humano potencial ao completar 18 anos, em média. Ou seja, 40% de todo o talento brasileiro será desperdiçado. Essa medida é chamada de Índice de Capital Humano (ICH), composto por uma série de elementos da primeira infância: taxa de mortalidade; marcos de desenvolvimento na infância; nutrição e qualidade da educação.
Assim como, ao cuidar bem da primeira infância, os efeitos positivos se alastram para todos os cantos, o oposto também ocorre. É isso que vivemos hoje, com 55% das crianças pequenas em famílias de baixa renda. As profundas desigualdades que marcam o País e são a raiz de problemas tão sérios começam na primeira infância. Ao mudar o começo da história, mudamos a história toda. A Política Nacional Integrada para a Primeira Infância é a oportunidade que temos para fazer essa mudança.
Para isso, ela foi estruturada a partir de 3 eixos:
- criação de um sistema de informação integrado da primeira infância, que consolida e integra dados dos serviços e do atendimento prestado a cada criança de 0 a 6 anos e sua família;
- serviços setoriais integrados, cuja missão será fortalecer e integrar as setoriais (Saúde, Assistência Social e Educação, juntamente com iniciativas de Proteção e Justiça);
- e, por fim, o eixo comunicação com as famílias e cuidadores, que reunirá uma série de estratégias para apoiar a jornada de atenção à primeira infância e a promoção do desenvolvimento infantil, tendo como ponto de partida a Caderneta da Criança.
Para alcançar resultados, no entanto, há pouquíssimo espaço para retrocessos. O ajuste fiscal anunciado pelo governo federal não deve permitir novos contingenciamentos nos programas e políticas públicas voltados para as infâncias, muitos dos quais já subfinanciados, especialmente na assistência social. Para ser instaurada e bem executada, a Política precisa, necessariamente, que os programas que atendem crianças de até seis anos e suas famílias estejam com saúde técnica e financeira vigorosas. Sem desrespeitar o arcabouço fiscal, este é o momento de investir na primeira infância, não de reduzir seu orçamento. Priorizar significa alocar recursos.
Nosso objetivo comum é permitir que todas as crianças do País desenvolvam todo o seu potencial, independentemente de sua cor, de seu CEP de nascimento, da escolaridade ou profissão de seus pais ou cuidadores. Temos convicção de que, ao fazer isso, em poucas décadas, lembrar que havia 64 milhões de brasileiros vivendo com insegurança alimentar em 2024 causará incredulidade.
Para que alcancemos esse patamar de avanço social, entretanto, precisamos permanecer vigilantes. A cada ano, dois milhões de crianças saem da primeira infância sem necessariamente terem essa janela de oportunidade bem aproveitada. Essa realidade precisa tirar o sono de políticos que trabalham pelo combate às desigualdades, à miséria e o cuidado pela infância.
A Política Nacional Integrada para a Primeira Infância não pode ser de faz de conta. Sua elaboração e a proteção dos programas voltados à primeira infância que já existem precisam, de fato, se tornar uma prioridade para a Casa Civil, os ministérios envolvidos, o Palácio do Planalto e a sociedade. Este é um esforço que pede disposição, vontade política e orçamento. Acabamos de dar um grande passo, mas esse é apenas o começo da caminhada. Precisamos da política implementada na prática e sustentada ao longo do tempo. Se o Brasil é o País do futuro e as crianças são o futuro do País, que tal torná-las prioridade hoje, para que nossa eterna projeção de nação finalmente tenha alguma chance de se tornar realidade?