Deputado Nilto Tatto. Foto: Gabriel Paiva

O Dossiê da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) sobre Agrotóxicos e Saúde Reprodutiva, lançado e apresentado nesta quinta-feira (22/5) em audiência pública nas comissões do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, revela a escassez de pesquisas e a negligência do Estado frente a problemas como infertilidade, câncer, malformações e distúrbios hormonais ligados a esses químicos.

“É inaceitável que o maior consumidor mundial de agrotóxicos [Brasil] não tenha políticas para proteger a população dos danos à saúde reprodutiva”, lamenta Lia Giraldo da Silva Augusto, coordenadora adjunta do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.

O deputado Nilto Tatto (PT-SP), autor do requerimento da reunião, destacou que o dossiê é “um marco na luta contra os impactos dos agrotóxicos”. Ele fortalece a defesa de um modelo de agricultura saudável e sustentável, confrontando “interesses econômicos predatórios que colocam veneno no prato do brasileiro”. Tatto ainda ressaltou a urgência do debate. “Agrotóxico é veneno, e veneno mata. Muitos consomem pensando que estão se alimentando, mas na verdade estão ingerindo morte”.

Invisibilidade científica e desmonte das leis ambientais

O estudo analisou 43 anos de publicações e expôs disparidades: a região Norte tem “zero artigos publicados”, e o Centro-Oeste, coração do agronegócio, responde por apenas “7,2% das pesquisas”. A maioria dos estudos concentra-se no Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro, enquanto populações rurais, indígenas e quilombolas são ignoradas. “Há uma iniquidade brutal, só cinco estudos foram feitos com mulheres do campo”, critica Lia.

O dossiê denuncia o desmonte das leis ambientais e a aprovação do “Pacote do Veneno”, que flexibiliza o uso dessas substâncias. “O capítulo 225 da Constituição, que protege o meio ambiente, está sendo destruído”, lamenta Lia. O documento também rebate a narrativa do agronegócio. “Agrotóxico não é remédio. É biocida feito para matar. Chamá-lo de ‘defensivo agrícola’ é uma estratégia para esconder seu risco”.

Saúde reprodutiva das mulheres e dos homens

O documento mostra a relação entre a exposição a agrotóxicos e os efeitos na saúde reprodutiva das mulheres, com destaque para o risco de câncer de mama e outras complicações. Evidências sugerem que a exposição ambiental ou ocupacional a esses químicos, como lavar roupas contaminadas sem proteção, está associada a mutações como a p.R337H e a um maior risco de câncer mamário, além de danos ao DNA e aumento de abortos espontâneos. Estudos ecológicos também apontam correlação entre o alto consumo de agrotóxicos e anomalias congênitas em regiões rurais.

No caso dos homens, o número de estudos no gênero masculino foi reduzido, apesar do grande número de trabalhadores do sexo masculino expostos aos agrotóxicos no campo, nas florestas, nas cidades e no controle vetorial.

Neoplasias

Os estudos avaliaram a relação entre a exposição a venenos e neoplasias masculinas. As taxas de mortalidade para os cânceres de próstata (r = 0,69; p = 0,019) e leucemia (r = 0,68; p = 0,021) tiveram correlações significativas com a venda de agrotóxicos. Homens residentes em áreas com maior venda de agrotóxicos tiveram maior chance de câncer de próstata, testículos e leucemia, com efeito dose-resposta.

Os estudos em adultos de ambos os sexos expostos abordaram a ocorrência de neoplasias e encontraram correlação entre a comercialização e o uso de agrotóxicos em 11 estados brasileiros e a mortalidade por câncer de testículo, mama, próstata e ovário. Jovens trabalhadores agrícolas do Sul do Brasil tiveram maior probabilidade de morrer de linfoma não Hodgkin. Esses resultados sugerem que a exposição pregressa da população aos agrotóxicos na década anterior foi um dado significante na associação com danos à saúde reprodutiva.

“Estes resultados apontam a necessidade de revisão da situação da pesquisa frente aos recursos disponibilizados no território brasileiro para investigar os efeitos dos agrotóxicos na saúde reprodutiva, entre outros efeitos. É indispensável a ampliação de grupos de pesquisa, laboratórios e de infraestrutura adequada, especialmente para as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, para que mais instituições possam realizar a identificação dos agrotóxicos no ambiente e em material biológico humano e animal”, recomenda a especialista.

Conscientização

O dossiê inclui um almanaque popular para conscientização. “Precisamos desocultar esses danos. A ciência precisa se voltar para esse problema de saúde pública”, afirma Lia.

Leia a íntegra do dossiê:

Dossie-Agrotoxico-e-Saude-Reprodutiva (1)

Lorena Vale

 

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Last Update: 22/05/2025