Menos de um mês após ter sido eleito presidente, em novembro de 2016, Donald Trump convidou a nata da elite tecnológica do Vale do Silício, na Califórnia, para uma reunião na sede de sua equipe de transição na Trump Tower, em Nova York. Foi um caso estranho. Sheryl Sandberg, do Facebook, Larry Page, do Google, e Jeff Bezos, da Amazon, tinham nos rostos expressões que variavam de um sorriso sem graça a um magnata da tecnologia feito refém. Mas em certo sentido eles eram isso mesmo. Havia um novo xerife na cidade – e nenhum deles o viu se aproximar.

Um participante, entretanto, estava bem à vontade. Sentado ao lado de Trump, com um sorriso aberto, havia um empreendedor de tecnologia criado na África do Sul, cujo investimento inicial no Facebook lhe rendeu bilhões. Era Peter Thiel. E se os últimos dias marcaram um ponto de inflexão, e há muitas razões para acreditarmos nisso, suas sementes foram plantadas no verão de 2016. Trump era então o candidato azarão, o homem que nenhum empresário de tecnologia respeitável da Costa Oeste ou da elite da Costa Leste queria tocar.

A convenção republicana em ­Milwaukee marcou o fim decisivo dessa era: Trump não apenas escolheu um profissional de tecnologia, o senador J.D. Vance, para o posto de vice-presidente, como recebeu a bênção de Elon Musk, o maioral da tecnologia. Musk promete doar 45 milhões de dólares por mês para a campanha republicana, embora seu endosso constante à X, a plataforma de mensagens adicionada ao seu portfólio de empresas, valha muitos milhões a mais.

Algumas figuras menos conhecidas no Vale do Silício e que embarcaram no trem de Trump talvez sejam ainda mais reveladoras. Marc Andreessen e Ben ­Horowitz, donos de uma das empresas de capital de risco mais famosas e influentes da região, declararam-se totalmente pró-Trump, juntamente com uma série de nomes menos conhecidos, mas importantes, que seguiram seu exemplo ou os superaram, entre eles os gêmeos Winklevoss e os investidores e apresentadores de podcast­ ­Chamath Palihapitiya e David Sacks.

Em 2016, Thiel era a voz no deserto. Naquela reunião na Trump Tower foi a mão de Thiel que o recém-eleito pegou e afagou. Sua empresa de mineração de dados, a Palantir, conseguiu contratos de bilhões de dólares do Departamento de Defesa sob Trump e, de forma mais polêmica, da agência de Imigração e Alfândega da Segurança Interna, onde perfilou e vigiou migrantes.

O princípio que sustenta o investimento no Vale do Silício é apostar cedo e alto. Funcionou para Thiel com o Facebook, funcionou para Thiel com Trump. Outra de suas apostas acaba de dar certo, embora poucos pudessem ter previsto algo tão espetacular. Vance, o potencial novo vice-presidente, é uma criatura de Thiel. É um homem que o magnata moldou à sua própria imagem por meio de investimentos luxuosos em suas carreiras empresarial e política. Thiel deu a Vance um emprego em sua empresa de capital de risco, a ­Mithril Capital, apoiou-o para começar seu próprio fundo de investimentos, ­Narya ­Capital, e depois investiu 15 milhões de dólares em sua bem-sucedida corrida para o Senado. Max Chafkin, biógrafo de Thiel, descreve Vance como sua “extensão”.

A recompensa da aposta inicial de Thiel em Trump é uma lição que não passou despercebida. Assim como sua outra obsessão, a criptomoeda, o melhor momento para investir em Trump foi em 2016, e o segundo melhor momento é hoje. Temos uma palavra para descrever as relações atuais agora: “oligarquia”. E vimos como isso acontece. Na Rússia de Vladimir ­Putin, interesses políticos e comerciais são uma coisa só. Thiel aposta, de novo, no mesmo fenômeno nos Estados Unidos. Pretende ser o primeiro entre uma nova geração de brothers oligarcas tecnológicos, uma nova superclasse de “broligarcas”.

Na América de Trump, haverá escolhas difíceis para todos, incluindo os bilionários. Mas poderá ser menos difícil para eles. Vance anuncia, em caso de vitória, a desregulamentação da criptomoeda e a liberação da Inteligência Artificial. O senador fala em desmontar as tentativas de Joe Biden de colocar salvaguardas em torno do desenvolvimento da IA. Embora tenha algo contra os tradicionais monopólios do Google e do Facebook, plataformas que seus colegas ideológicos da “nova direita” consideram parte do “complexo industrial da censura” que sufoca o discurso da direita, o Vale do Silício aposta numa corrida do ouro pró-empresas, sem luvas e sem regulamentação.

Vance, indicado a vice na chapa, sela o pacto entre os extremistas das Big Techs e o ex-presidente

Outro acólito de Thiel, Hulk Hogan, estava no palco da convenção republicana. Hogan é menos conhecido como uma das apostas de longo prazo do magnata, embora de certa forma seja ainda mais instrutivo do que Vance. Em 2007, a revista online Gawker denunciou Thiel e publicou uma série de artigos pouco lisonjeiros a seu respeito. Levou anos, mas finalmente, ele se vingou, por meio do financiamento secreto a Hogan, de 10 milhões de dólares, para processar a publicação por invasão de privacidade e forçá-la à falência.

No palco da convenção, o lutador, com seu eterno bronzeado laranja, arrancou a camisa para o homem que cada vez mais parece ser o próximo presidente dos Estados Unidos. Ou, se J.D. Vance estiver correto, o homem que provará ser o César de que os Estados Unidos precisam. Um homem que ele instou a demitir os servidores públicos do país e “substituí-los pelo nosso pessoal”, a desafiar os tribunais e governar do seu próprio jeito. Ou, colocado em termos simples, a fomentar um golpe.

Thiel sabe o que todo investidor sabe: uma crise é uma oportunidade. Se Trump tiver sucesso em destruir a administração federal, não só haverá bilhões a ser ganhos na turbulência do mercado, mas uma nova geração de oligarcas próximos do trono de César será a primeira a dividir os despojos. E o principal deles será Thiel. Não é difícil ver: a Palantir, sua empresa de mineração de dados, vai traçar o perfil, vigiar e mirar nos inimigos de César. E o histórico do empresário de tecnologia de vencer, de apostar com sucesso nas probabilidades mais distantes, de esperar o momento certo, talvez seja o mais assustador de todos os fatores numa quinzena que começa a parecer o início de uma corrida aos bancos.

A vitoriosa sobrevivência de Trump ao assassinato e agora a ascensão do Vale do Silício à chapa presidencial… Os “broligarcas” fizeram sua jogada, e todos nós precisamos entender exatamente o que significa. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1321 de CartaCapital, em 31 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Oligarquia tech’

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Última Atualização: 25/07/2024