Documentos inéditos apreendidos pela Polícia Federal na 13ª Vara Federal de Curitiba revelam que o ex-juiz e senador Sergio Moro (União Brasil-PR) utilizou delatores como instrumentos de monitoramento ilegal contra autoridades com foro privilegiado, à revelia da legislação brasileira.
O material, encontrado em gavetas da própria unidade judiciária e até então oculto, aponta ordens diretas para a gravação clandestina do então presidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Heinz Herwig, e de desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
As revelações foram divulgadas pela coluna da jornalista Daniela Lima, no UOL, e indicam que as escutas ocorreram entre 2004 e 2005, período em que Moro atuava como juiz federal em Curitiba. Pela lei, magistrados de tribunais regionais e chefes de tribunais de contas só podem ser investigados mediante autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ), etapa que foi completamente ignorada.
Ordem expressa para gravar
Um despacho assinado por Moro em julho de 2005 é tratado por investigadores como a “prova de fogo” do esquema de monitoramento ilegal. No documento, o então juiz cobra que o delator Tony Garcia tentasse gravar “novamente” Heinz Herwig, sob a justificativa de que as gravações anteriores seriam “insatisfatórias para os fins pretendidos”.
A gravação completa, com cerca de 40 minutos, revela não apenas o monitoramento clandestino, mas também o desconforto gerado pela atuação do magistrado. Em um dos trechos mais contundentes, Herwig afirma: “Na verdade, ele é polícia, é promotor e é juiz”.
O próprio delator demonstrava receio diante das exigências feitas por Moro. “Tudo o que você fala ele diz que é mentira. Quem cair na mão desse cara está ferrado”, declarou Tony, em outro trecho da conversa.
Escutas contra desembargadores
Além do presidente do TCE, a Polícia Federal encontrou registros de escutas envolvendo desembargadores do TRF-4, tribunal responsável por revisar as próprias decisões de Moro. Os relatórios de inteligência, de conteúdo sensível e pessoal, jamais foram encaminhados ao Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo após solicitações formais.
Um dos arquivos apreendidos relata que um desembargador estaria “com medo de que as fitas das festas vazassem” e que teria confessado à esposa ter sido filmado. As escutas teriam sido realizadas por outros colaboradores da vara, entre eles o advogado Sérgio Costa, segundo os documentos.
A apuração no STF
A operação de busca e apreensão na vara de Curitiba foi autorizada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. A Corte apura se o monitoramento ilegal teve como objetivo criar mecanismos de pressão contra autoridades que estavam fora do alcance legal do juiz de primeira instância.
Tony Garcia, primeiro a denunciar o esquema, afirmou ter atuado durante anos como uma espécie de “agente infiltrado” de Moro. Segundo ele, chegou a instalar câmeras ocultas em seu próprio escritório, sob a supervisão direta de um policial federal que se apresentava como secretário.
Outro lado
Em nota, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) negou qualquer irregularidade e tentou desqualificar o conteúdo das provas apreendidas. De acordo com sua assessoria, a investigação no STF se baseia em “relatos fantasiosos do criminoso condenado Tony Garcia”.
O ex-juiz também afirmou que os fatos mencionados remontam a cerca de duas décadas e declarou não ter tido acesso aos autos atuais do inquérito, razão pela qual disse não poder comentar o conteúdo específico do material apreendido.