Do que pode (ainda) dar certo

por Heraldo Campos

Várias cidades brasileiras enfrentam problemas ligados às enchentes e aos deslizamentos em morros principalmente com a chegada das chuvas. Geralmente, as pessoas mais afetadas são as de baixa renda, porque acabam ocupando as áreas inundáveis e as encostas por falta de melhores opções de moradia.

As consequências das chuvas detonam os deslizamentos de terra em áreas habitadas, as quedas de barreiras em estradas e as enchentes nas baixadas. Os transtornos e prejuízos materiais e humanos causados em várias cidades são gerados, principalmente, pelo descontrole ocupacional de seus territórios. O cenário em que ocorrem estes tipos de acidentes naturais e/ou induzidos chega a ser monótono: as ausências de saneamento básico, com coleta de lixo e de esgoto e distribuição de água tratada são constantes; o lançamento de águas servidas, a plantação de bananeiras, o acúmulo de entulho nas encostas por parte dos moradores, são fatores que aceleram os processos de escorregamento.

Os terrenos geologicamente instáveis e a construção de casas sem orientação técnica, com a ação das águas de chuva, se encarregam dos acidentes. Ao longo prazo, uma reforma urbana no âmbito dos municípios pode resolver o problema. Nessa reforma poderiam ser realocadas as populações que vivem em situações de risco geológico iminente. Vale dizer que isto pode custar caro aos cofres públicos e envolve interesses distintos num mesmo espaço urbano.

Muitos campi de universidades, instalados em territórios destes municípios, estão próximos destas áreas de risco geológico. Assim, pela proximidade física eles têm um importante papel social a desempenhar neste cenário. Tomando como exemplos os cursos de Engenharia Civil e de Geologia nota-se que por iniciativa de alguns professores a sala de aula foi em boa parte transferida para o campo.

A sistemática das observações de campo, como método a ser seguido para o conhecimento das condições dinâmicas do meio físico, por meio de roteiros de estudos, pode ser facilmente aplicada. Uma vez levantados os dados, a elaboração de uma síntese em uma carta geotécnica, pode propor tanto medidas preventivas como a concepção de projetos de obras de engenharia.

Embora seja um processo lento de envolvimento de trabalho, esse método de aprendizado tem mostrado que algumas disciplinas dadas nestes cursos são um instrumento dinâmico de intervenção em áreas de risco geológico e pode produzir benefícios concretos em áreas onde não se dispõe de informação técnica e a um custo praticamente zero.       

Pelo exposto, o desenvolvimento de um plano de trabalho de caráter essencialmente prático se justifica diante da demanda crescente de atividades voltadas ao equacionamento de problemas ambientais. Deste modo, seus objetivos gerais são: examinar a problemática do uso inadequado do meio físico, as consequências danosas ao ambiente e a necessidade de priorizar medidas preventivas; analisar a experiência e estágio atual do conhecimento, nesta área específica; conhecer as pesquisas mais recentes em andamento sobre processos e fenômenos do meio físico; estudar a aplicação de tecnologias preventivas e corretivas nas ações de planejamento e gestão urbana, rural e ambiental, com ênfase aos projetos e obras de engenharia.

Materiais como cartas plani-altimétricas, mapas cadastrais, fotografias aéreas, bússolas, teodolitos, trenas e GPS, devem ser utilizados como suporte nestes estudos. Os dados uma vez inventariados, podem servir para a elaboração de relatórios-executivos das situações estudadas, trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses e publicação de artigos.

Para concluir, entendemos do que pode (ainda) dar certo, como seria a continuidade de  trabalhos dessa natureza, e encerrando pegando carona num trecho otimista da canção “Go Back” de 1984, dos Titãs (de autoria de Sérgio Affonso e Torquato Neto), que diz : “E se passou, passou / Daqui pra melhor / Foi! / Só quero saber do que pode dar certo / Não tenho tempo a perder”.

Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 13/05/2025