Um velho ditado diz que “a Bolsa sobe no boato e cai no fato”. Boato é o rumor de acontecimentos favoráveis ao mercado, que leva muitos a comprarem ações, impulsionando os preços para cima. Fato é a oficialização daquela expectativa positiva, momento em que as cotações caem, pois correm para vender seus papéis para lucrar com a alta – então, a Bolsa cai.

Foi mais que um rumor, no entanto, o que provocou altas sucessivas no mercado de ações em pregões recentes. O que agitou o setor de renda variável foi o tão esperado sinal de fim do ciclo de alta da Selic, expresso, segundo interpretaram várias instituições do sistema financeiro, na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária, divulgada na quarta-feira 14.

Para essa ala do mercado, a Selic deve encerrar 2025 em 14,75% ao ano. No fim de 2026, a estimativa é de que a taxa básica caia para 12,5% ao ano. Outra parte do mercado entende, porém, que o Copom deixou aberta a porta para aumentar a taxa, dos atuais 14,75% para 15%, na próxima reunião daquele colegiado, prevista para 17 e 18 de junho. O que há de comum entre as duas correntes é a convicção de que o ciclo de alta se aproxima do fim.

Não bastou o alerta do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, de que os juros altos talvez permaneçam por mais tempo e que a redução da taxa não está em discussão na diretoria da instituição. A perspectiva de fim do ciclo de alta dos juros elevou o Ibovespa, índice de ações da B3, a 140 mil pontos na segunda-feira 19, recorde histórico e quase o triplo dos 53 mil pontos registrados em maio de 2015, mostram os registros do banco de dados econômicos e financeiros Trading Economics.

Prudência. O presidente do BC disse que a redução da taxa não está em discussão – Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A perspectiva altista encontrou reforço em estimativas de uma inflação menor nos EUA, o que reduz a ­possibilidade de aumento dos juros nesse país. Elevações dos juros americanos costumam drenar recursos do resto do mundo para aplicação em títulos do Tesouro dos EUA, remunerados com base nas taxas de juro desse país e considerados os mais seguros do mundo, condição que obriga as demais nações a aumentarem os juros na tentativa de conter a “fuga para a qualidade”, isto é, o encaminhamento de recursos para aplicação nos treasury bills do governo norte-americano.

A B3 mostrou força nos dois pregões seguintes, com o Ibovespa entre 139 mil e 140 mil pontos, nível mantido ao menos até as 11 horas da quarta-feira 21. A elevação encontrou sustentação em análises de vários bancos, divulgadas pelos jornais. O Banco Safra aumentou a previsão de Ibovespa em 2026, de 141 mil pontos para 170 mil pontos, a partir do fim do ciclo de alta da Selic e de sinais de moderação na atividade econômica.

O Morgan Stanley fez considerações semelhantes e incluiu, na sua lista de motivos para a Bolsa atingir 189 mil pontos em meados do próximo ano, esta surpreendente extrapolação: “Embora estejamos ainda a, aproximadamente, 18 meses das próximas eleições presidenciais no Brasil, observamos sinais de enfraquecimento do apoio à plataforma política atual em comparação com padrões históricos. A taxa líquida de aprovação do presidente Lula (aprovação menos desaprovação), em seu terceiro mandato, está seguindo a mesma trajetória da observada com o ex-presidente Jair Bolsonaro no mesmo período de governo, muito abaixo da média de aprovação dos presidentes que foram reeleitos”.

O acordo tarifário entre EUA e China e a safra agrícola brasileira geram certo otimismo

Já o JP Morgan elevou a projeção para o PIB do Brasil em 2025 e justificou essa expectativa com a melhora no cenário externo a partir do acordo tarifário entre EUA e China e da safra agrícola recorde. Outras instituições destacaram a declaração de integrantes da equipe econômica de que mudará sua estratégia e vai fazer “contenção significativa” de gastos ainda este mês. Estão previstos contingenciamento de gastos, devido ao crescimento de receitas fiscais inferior ao previsto, e bloqueio de recursos.

A expectativa do Banco Itaú é de que a persistência de anormalidades tarifárias por parte dos EUA pode impedir uma desvalorização mais intensa do dólar, o que limitaria cenário mais positivo para o câmbio no Brasil. Outras análises seguem nessa mesma direção. Segundo a consultoria Eurasia, a instabilidade criada por Trump não acabou e vai durar, no mínimo, dois anos. O Brasil, entretanto, está em boa posição, pois não terá tanta pressão de Washington para se afastar da China, sublinha a Eurasia.

Formado o consenso quanto à interrupção do ciclo de alta na virada deste ano para o próximo, economistas procuram estimar com maior precisão o momento da mudança. “Acredito que na próxima reunião do Copom a Selic subirá 0,25 ponto, para 15%. É um aumento já contratado, há uma preponderância dessa expectativa, inclusive é algo que vem do período Campos Neto”, diz o economista Saulo Abouchedid, professor da Facamp.

O que se observou nesses quase seis primeiros meses da gestão de Galípolo na presidência do BC, prossegue ­Abouchedid, é uma tentativa de coordenar algo que o seu antecessor construiu e indicou para o mercado, que é esse aumento da Selic em direção aos 15%. A partir desse patamar, o economista acredita que talvez seja possível observar uma mudança na coordenação das expectativas em relação à Selic por parte do Banco Central. “Acho que uma eventual surpresa poderia ocorrer não em relação à próxima reunião, em 17 e 18 de junho, mas no encontro seguinte, que ocorrerá em 29 e 30 de julho, quando talvez seja possível assistir ao começo de uma mudança nessa coordenação de expectativas, rumo a uma trajetória de queda da Selic”, acrescenta o professor da Facamp.

Sinais. Remédios e alimentos pressionam a inflação doméstica. O JP Morgan elevou a projeção para o PIB do Brasil em 2025 – Imagem: Renato Luiz Ferreira, Joédson Alves/Agência Brasil e iStockphoto

Existe também a possibilidade de que a nova direção do Banco Central “esteja querendo testar um pouco o mercado”, mas ainda prevalece, segundo ­Abouchedid, a estratégia de elevar a Selic, para depois começar uma trajetória de queda, ainda que num patamar restritivo. “Eu continuo apostando na Selic a 15%. Ainda haverá uma rodada de aumento, de 0,25 ponto, para depois, a partir do segundo semestre, ele começar uma trajetória de queda, ainda que de modo tímido em comparação com esse período de alta.”

Segundo Rogério Sobreira, economista-chefe do Banco do Nordeste (BNB), a partir da ata da última reunião do ­Copom, o cenário mais provável no que se refere à política monetária é o BC dar uma pausa para avaliar a evolução dos dados antes de se decidir por uma nova alta na taxa de juros.

Contribui com essa perspectiva, prossegue Sobreira, o comportamento das expectativas inflacionárias para o fim deste ano, semana após semana, conforme mostra o Boletim Focus, apresentando pequenas reduções, após ter atingido um platô, o que sugere “um lento processo de reancoragem das expectativas”. Quanto aos dados sobre o nível de atividade, a economia, ao menos no primeiro trimestre deste ano, não deu sinais claros de desaceleração, acrescenta o economista. “Ao contrário, a perspectiva para o comportamento do PIB no primeiro trimestre sinalizada pelo Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas mostra uma economia crescendo nada menos que 1,64%, no confronto deste trimestre com o trimestre anterior.”

Esse movimento, prossegue o economista-chefe do BNB, é confirmado também pelo Índice de Atividade do Banco Central (IBC–Br), que mostra “uma economia crescendo em março, no acumulado em 12 meses, na casa dos 4,7%”. Algo que “não pode ser creditado somente ao bom desempenho do setor agropecuário, que cresceu, em março, no acumulado em 12 meses, nada menos que 18,8%, com a indústria e os serviços também apresentando bons desempenhos, de 4,8% e 2,5%, respectivamente”.

Diante de um cenário externo temporariamente mais favorável, um pouco menos volátil, detalha Sobreira, as atenções a respeito do que fará o Comitê de Política Monetária na próxima reunião voltam-se precisamente para o comportamento do nível de atividade doméstico. Isto é, quando, e com que intensidade, a economia começará a experimentar a acomodação necessária, a fim de sinalizar que o processo desinflacionário voltou a ganhar tração, a ponto de dar a tranquilidade necessária para o Copom iniciar, mais adiante, o relaxamento da política monetária. “Nesse sentido, o pequeno aumento da incerteza inflacionária, medido pelo comportamento da inflação implícita, se mantido nas semanas seguintes, pode acender um sinal de alerta”, sublinha.

Caso as expectativas inflacionárias continuem seguindo seu ainda lento processo de reancoragem, se não houver surpresas negativas significativas no comportamento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nos próximos meses, e se o ambiente externo se mantiver razoavelmente estável, é possível, entretanto, que o Copom inicie os cortes na Selic a partir do fim deste ano, estima o economista. •

Publicado na edição n° 1363 de CartaCapital, em 28 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Divisor de águas’

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Last Update: 22/05/2025