Nessa sexta-feira (18), o Brasil 247 publicou uma coluna de seu editor Aquiles Lins intitulada Glauber Braga vence Lira na Câmara e sai politicamente fortalecido. No texto, Lins afirma que o deputado federal “encerrou a greve de fome não enfraquecido, mas ampliado — em estatura moral, política e histórica”. Examinando os fatos, vemos que essa conclusão não se sustenta.
Devemos considerar, de início, que a força de um político, especialmente os de esquerda, se deve à sua base social. Neste caso, não houve nenhuma movimentação da militância psolista. A direção do PSOL, por sua vez, no lugar de promover manifestações públicas contra a cassação, se empenhou basicamente em amarrar acordos políticos. Nem mesmo uma nota pública o partido foi capaz de emitir.
Os tais acordos foram “denunciados” pela própria imprensa burguesa. A Folha de S.Paulo, por exemplo, divulgou que Gleisi Hoffmann (PT), ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, visitou Glauber Braga em particular durante sua greve de fome e se comprometeu a procurar Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, para negociar. Como vimos, pelo menos no âmbito dos conchavos, funcionou.
Lins escreveu que, “por 18 dias, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) levou às últimas consequências um gesto político raro em tempos de pragmatismo e cálculo eleitoral: uma greve de fome, em protesto contra o injusto e casuístico processo de cassação de seu mandato”. No afã de defender o deputado, acabou escrevendo 18, mas foram 8 dias. A decisão de Braga, apesar de ter sido classificada como um gesto político raro, se mostrou bastante despolitizada.
Greves de fome não são necessariamente despolitizadas, muitas vezes os presos políticos palestinos recorrem a esse tipo de protesto contra o Estado sionista. No Brasil, como também citamos em outras oportunidades, presos políticos fizeram greve de fome contra a ditadura militar.
Em 1981, na Irlanda do Norte, militantes do Exército Republicano Irlandês (IRA) presos por lutarem contra a dominação da Coroa Britânica, fizeram uma longa greve, liderada por Bobby Sands, que morreu após 66 dias e se tornou símbolo do movimento. Dez prisioneiros morreram nesse protesto.
Em seu texto, Aquiles Lins diz que “Glauber perdeu mais de 10 quilos com a greve de fome. Mas à medida que emagreceu, viu crescer o peso simbólico e político de sua resistência”, mas em que se baseia essa consideração? Do ponto de vista político, nada mudou, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar continua ativo e é uma arma constantemente apontada contra todos os mandatos.
Não basta dizer que “a tentativa de cassação de Glauber Braga está inserida em um embate mais amplo com o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira”. Uma vez que “Glauber se tornou alvo político após denunciar o chamado “orçamento secreto” e acusar Lira de liberar ilegalmente R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares”. E que a perseguição se deve ao fato de Glauber ter chamado Lira de “bandido”. O problema, o que deve ser questionado e combatido, é a existência de um órgão como o Conselho de Ética.
Alguém poderia se perguntar do porquê de apenas o PCO se opor e denunciar a existência desse órgão. A resposta é simples: a maior parte da esquerda apoia essa instância completamente antidemocrática do Congresso. Na verdade, essa própria esquerda aplaude e está empenhada em cassar mandatos, desde que contra seus opositores, claro. Uma posição abertamente oportunista.
Autoritarismo
A ameaça aos mandatos é questão óbvia, pois “mesmo parlamentares de outros partidos — inclusive da extrema-direita — passaram a questionar a desproporcionalidade da pena”. Porém, o erro de Lins é considerar que se trata apenas de um problema de dosimetria ao dizer que houve “exagero do Conselho de Ética da Câmara, em se tentar cassar um deputado por um episódio de confronto verbal [grifo nosso]”.
É preciso insistir nessa questão. O que tem de ser questionado é o fato de o mandato de um parlamentar poder ser cassado por uma coisa vaga chamada “decoro parlamentar”. O próprio Aquiles Lins reconhece que temos “legislatura com ampla gama de parlamentares que estilhaçam o decoro parlamentar todos os dias e nada acontece”, apenas não tira daí as conclusões necessárias: o Conselho de Ética foi criado como uma arma de controle político.
É preciso ser contra a cassação de Glauber Braga ou de qualquer parlamentar. Apenas os eleitores devem ter o poder de revogar um mandato, pois é o voto que empossa um político.
Conquista?
A matéria de Aquiles Lins tenta nos vender a ideia de que houve uma grande conquista, diz que “a pressão de Glauber aumentava a cada dia. Na Câmara e nas redes sociais. Foram mais de 150 mil assinaturas de um manifesto em defesa de seu mandato. A situação ficou insustentável e levou o presidente da Câmara, Hugo Motta, foi obrigado a tomar uma decisão”.
Apesar de todo o otimismo característico da esquerda, Hugo Motta apenas concedeu “um prazo de 60 dias para que Glauber se defenda antes de votação em plenário”. Ou seja, não existe nenhuma garantia sobre a manutenção do mandato de Glauber Braga. Principalmente porque, além de a direita estar em uma ofensiva, a esquerda insiste em ignorar a luta popular e se joga nos acordos de bastidores e em um terreno amplamente desfavorável.
Mais para o final de seu texto, Lins afirma que “o episódio deixa marcas importantes. Mostra que há espaço, ainda que estreito, para a ação política baseada em princípios”. O que nos faz pensar: que espaço seria esse? No Brasil não se pode falar nada. O “princípio” de que a liberdade de expressão não pode ser irrestrita – que a esquerda defende –, está atuando contra um deputado de esquerda. Essa lição precisa ser aprendida.