A inflação, o desemprego e os ataques aos salários levaram a uma onda de protestos em Angola contra o governo neoliberal de João Lourenço, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido que está há 50 anos no poder. No fim de julho, a revolta contra o corte dos subsídios aos combustíveis explodiu com a greve dos taxistas em Luanda, espalhando manifestações por todo o país, apesar de duramente reprimidas.

O Opinião Socialista entrevistou José Gomes Hata, do movimento Terceira Divisão e ex-preso político. Hata começou no rap contestador e participou dos protestos de 2011 e 2012. Foi preso em 2015, acusado de conspiração.

No último dia 28, teve início a greve dos taxistas, convocada contra o aumento dos combustíveis. Mas, a greve também foi apoiada por uma parcela muito grande da população, que saiu espontaneamente às ruas, em protesto. Por que houve esse apoio popular tão grande?

São várias questões que, em três dias, levaram à explosão. Resumindo brevemente: Angola tornou-se independente em 1975, após séculos de colonialismo. Em 1991-92 houve eleições multipartidárias, mas o país mergulhou numa guerra civil até 2002. O MPLA está no poder desde a independência.

O petróleo sempre teve papel central na economia e Angola e o país é o segundo maior produtor da África. Mas, entre 2011 e 2012, uma recessão agravou as condições de vida, principalmente dos jovens. Foi aí que começaram os primeiros protestos.

A partir desse momento, começaram a surgir crises políticas em Angola, porque o Estado não tinha dinheiro. Por causa disso, como nossa economia é petrodependente, tivemos que recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que entrou em Angola e, como sabemos, trouxe suas famosas recomendações ligadas a cortes de verbas nos setores sociais, afetando inclusive os combustíveis, que eram subvencionados pelo Estado.

Nossa dívida externa, hoje, consome mais de 60% do orçamento do Estado. Ou seja, a maior parte é usada para pagar a dívida. Desde então, o governo tem aumentado de forma excessiva o preço dos combustíveis.

E isso mexe no bolso de todo mundo, não só os taxistas…

Sim. O litro de combustível custava pouco mais de 100 kwanzas; mas, o objetivo do governo do MPLA é elevar os preços dos combustíveis até 800 kwanzas (aproximadamente R$ 4,80). A primeira tentativa de aumento aconteceu em 2023. Mas a sociedade reagiu com protestos.

O governo angolano aumentou o preço dos combustíveis em 33%, chegando a 400 kwanzas por litro. Isso num país com salário mínimo de 30 mil kwanzas (cerca de R$ 180) e inflação de quase 20%, entre maio e junho.

Entre junho e julho, os salários do funcionalismo público atrasaram, pois a prioridade foi pagar a dívida externa. O combustível sobe, o transporte encarece, mas o salário segue o mesmo — e o setor público ainda é o maior empregador.

A sociedade reagiu! Primeiro, protestos contra o aumento dos combustíveis; depois, mobilizações estudantis e, em seguida, [entrou em cena] a Associação dos Taxistas. Eles planejavam uma greve pacífica, parando suas atividades. Mas, na véspera, o Serviço de Investigação Criminal sequestrou o vice-presidente da Associação, gerando confusão. No dia seguinte, sem táxis nas ruas, a revolta cresceu. Famílias, com fome, saquearam mercados para levar comida para casa.

A polícia partiu contra os manifestantes, disparando, assassinando mulheres, crianças e até idosos, o que resultou em mais de 100 mortos e 1.500 feridos. Mas esses são dados oficiais do Ministério do Interior. Acredito que os números são muito superiores, porque uma ditadura não funciona com transparência.

Depois, a polícia passou a perseguir pessoas até em suas casas, interpelando quem passava na rua, sem relação com os atos: pessoas saindo de hospitais, indo à igreja ou em atividades cotidianas, que foram interpeladas e assassinadas. Há vídeos horripilantes que mostram a crueldade desse regime.

Greve de taxistas em Luanda, que culminou em diversos protestos pela capital angolana

Como as pessoas estão reagindo, após irem às ruas e sofrerem com essa violência repressiva?

Olhe, há reações distintas. Uma classe pequeno-burguesa, que controla as mídias tradicionais (rádios, jornais, TVs), reforça o discurso do sistema para legitimar repressão, as mortes e a miséria, adjetivando os manifestantes como vândalos. Do outro lado, há vozes jovens, contestadoras, que reconhecem que essa explosão social é consequência de 50 anos de ditadura.

Mas a resistência continua. É um momento de crise, mas, como indica a palavra, é também de tomada de posição e consciência. Há, claramente, mais crítica. Existe uma indignação coletiva, fruto das últimas repressões.

O que será feito nos próximos dias?

Estão marcados protestos em Angola e no exterior, nos consulados angolanos pelo mundo. No Brasil, ocorrerão na sexta-feira (8 de agosto), no Rio, em São Paulo e Brasília. Convido todos a comparecerem, em massa, para gritarmos juntos contra a ditadura e os assassinatos, pela liberdade de expressão e contra a ingerência do FMI em Angola.

Temos alertado para a profundidade do problema angolano. Ele não se resume à alternância política. É mais profundo: passa pela definição do tipo de Estado que queremos. Há multinacionais, dívida externa e questões de soberania sobre recursos. Não basta destituirmos o governo. É crucial que os recursos de Angola sirvam aos angolanos. O problema angolano é muito mais profundo e precisamos confrontar os males criados pelo Estado e pelo sistema capitalista.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 07/08/2025