Discursos do Lula: é pra glorificar de pé!

por Sara Goes

Quem presta atenção no tom, nas pausas e no olhar, percebe: o presidente Lula tem apostado numa linha de discurso que parece saída de um púlpito gospel progressista, desses que misturam Paulo Freire com Moisés. Não por oportunismo, mas por método. E por sensibilidade.

Durante sua fala nas obras da Rodovia Presidente Dutra, no último 15 de abril, Lula fez o que vem se tornando um padrão: começou falando de infraestrutura, competitividade, logística , e terminou com um quase sermão sobre autoestima, abundância, sonho grande e superação de uma mentalidade da escassez. A parte “coach” do Lula, que pra alguns parece apenas uma concessão ao espírito da época, talvez seja muito mais: uma chave de acesso ao coração de um Brasil cansado de sermões políticos e faminto de sentido.

Não é à toa.

Se os evangélicos crescem no Brasil, os desigrejados crescem ainda mais. Segundo o Censo de 2022, enquanto os evangélicos chegaram a 31% da população, o grupo dos que dizem crer em Deus, mas não frequentam nenhuma igreja, já ultrapassa os 10%, um salto considerável em relação à década anterior. Entre os jovens, esse movimento é ainda mais intenso: menos religião institucional, mais espiritualidade personalizada, e uma busca por pertencimento, acolhimento e inspiração que muitas vezes a política institucional não consegue oferecer.

Lula, ao falar com esses brasileiros, não está só disputando votos. Está tentando preencher um vazio que a esquerda,  com todos os seus acertos técnicos, muitas vezes deixa aberto: o da linguagem afetiva. E mais ainda: o da esperança cotidiana.

“Se a gente sonha pequeno, a gente faz as coisas pequenas. O que é que você quer pra sua mulher? Que você todo dia diz que ama ela?”, perguntou, no meio de uma fala sobre uma estrada. E parecia estar falando menos da Dutra e mais do país ,  esse país que ele insiste em ver com olhos de redenção, não de resignação.

Já fez isso com as mulheres, ao lembrar de Dona Lindu. Já fez isso com os jovens, viralizando ao dizer que “nenhuma mulher quer namorar ajudante geral”, como forma torta de defender o estudo e o trabalho como caminho de dignidade. A fala virou meme nas redes, mesmo com a má vontade da imprensa que nunca bateu um prego numa barra de sabão ,  mas caiu como uma luva pra milhões de jovens que, sem profissão definida, sentem o peso de não conseguir começar nem uma história de amor, quanto mais uma de vida. Pode soar caricato, mas funciona ,  porque dialoga com a realidade dura de quem sonha com o básico, mas carrega vergonha por isso.

Esse Lula é o mesmo operário que virou presidente e ainda acredita que “a gente não quer nem que pingue nem que seque ,  a gente quer a torneira cheia d’água”.

Pra quem trabalha com comunicação, o recado é claro: precisamos sair da armadilha das respostas imediatistas e dos memes prontos, pra recuperar a longa conversa com o povo. Uma conversa que passe por dados, sim ,  mas também por metáforas, afetos, silêncios e perguntas feitas com fé.

A comunicação popular precisa ser mais do que pedagogia de resultados. Precisa ser reencontro com a alma brasileira ,  essa alma que anda ferida, mas ainda pulsa, entre uma oração de domingo, um vídeo no TikTok e a esperança de que o amanhã seja um pouco mais justo, um pouco mais digno, e ,  por que não,  um pouco mais bonito.

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Last Update: 17/04/2025