O terrível editorial publicado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” nesta sexta-feira (27), que classifica como “exagerada” a prisão de quatro jogadoras do River Plate por injúria racial, reflete uma postura preocupante de relativização de um crime grave.
O texto ignora que, no Brasil, injúria racial é prevista como crime com pena de reclusão de dois a cinco anos, agravada se ocorrer em eventos esportivos. Essa posição demonstra um alinhamento tácito com a impunidade, um dos pilares que perpetuam o racismo estrutural.
Não há espaço para dúvidas: racismo não é uma questão de “indisciplina desportiva”. É uma agressão que desumaniza e perpetua uma história de opressão contra pessoas negras.
O argumento de que as punições esportivas impostas ao River Plate “deveriam bastar” é insuficiente e perigoso. Trata-se de um caso que transcende os limites do campo e exige uma resposta judicial proporcional à gravidade do ato.
EDITORIAL: ‘Bastava o cartão vermelho’ – É exagerada a prisão de jogadoras do River Plate que dirigiram ofensas racistas a adversárias num jogo (via @opiniao_estadao) https://t.co/2Jr6JiWLac 📸 Guilherme Veiga/Brasil Ladies Cup pic.twitter.com/qZwNVsyVl3
— Estadão 🗞️ (@Estadao) December 27, 2024
Os números ilustram o quanto o racismo ainda está entranhado no futebol. Desde 2005, quando o argentino Leandro Desábato, na época do Quilmes foi preso por injúria racial contra o jogador Grafite, do São Paulo, pouco se avançou.
Pelo contrário, os casos de racismo no futebol brasileiro aumentaram quase 40% em 2023, conforme levantamento do Observatório Racial do Futebol. A insistência em tratar episódios como esse apenas no âmbito esportivo é um convite à perpetuação da violência racial.
Desábato, aliás, hoje é aposentado e atua como auxiliar técnico na comissão de Gustavo Quinteros, que deve ser anunciado em breve como novo técnico do time masculino do Grêmio. Acho, que depois das consequências de seus atos no Brasil, o ex-zagueiro vai pensar duas vezes antes de fazer qualquer coisa trabalhando aqui.
A comparação feita pelo editorial entre provocações normais no esporte e ofensas racistas é desonesta. Racismo não é um “xingamento” qualquer. É uma agressão que carrega séculos de exclusão e marginalização.
A tentativa de resgatar o conselho de Leônidas da Silva – para que se ignore ofensas no campo – como argumento é anacrônica e condescendente. Em tempos de maior conscientização, não há mais lugar para aceitar o racismo como parte do jogo.
VERGONHA! RACISMO É CRIME!
Jogadora do River Plate faz gestos de macaco para glandula na partida contra o Grêmio! pic.twitter.com/uEWl6uLTdd
— out of context grêmio feminino (@oocgremiofem) December 21, 2024
Ao sugerir que prender atletas por injúria racial é “armar um circo”, o editorial minimiza a gravidade do problema e despreza a legislação brasileira. Não se pode separar a arquibancada do campo quando o racismo é o denominador comum.
Se torcedores podem ser presos por atos racistas, o mesmo deve valer para atletas. O futebol não pode ser tratado como uma bolha de imunidade, onde comportamentos criminosos recebem apenas advertências esportivas.
A prisão das jogadoras do River Plate é um marco importante no combate ao racismo no futebol. Não se trata de provar que o Brasil não tolera racismo, como sugere o editorial, mas de aplicar a lei com o rigor necessário. Continuar relativizando casos de injúria racial apenas alimentará a impunidade e o discurso de que o racismo pode ser tratado como uma ofensa menor.
Se queremos um futebol – e uma sociedade – realmente igualitária, é imprescindível que o racismo seja enfrentado com seriedade. Nesse jogo, não há lugar para isenção ou concessões.
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