“Preso não tem que ter direito, tem que ter direito nenhum. Não é cidadão mais.” A afirmação, em tom de indignação, foi feita em 2017, no programa Canal Livre, da Band. O autor era Jair Messias Bolsonaro. Não se tratou de um deslize. Meses antes, no Programa do Ratinho, no SBT, o então deputado já havia dito: “o preso tem que saber que, engaiolado, o direito dele é não ter direito”.
Agora, condenado a 27 anos e três meses de prisão, as declarações do ex-presidente reverberam. Ao longo de sua extensa carreira política – dois anos como vereador no Rio de Janeiro, 27 anos como deputado federal e quatro como presidente da República – Jair Bolsonaro fez do choque das suas falas uma estratégia para garantir espaço na mídia e conquistar seguidores e votos. O discurso de ódio proferido por ele foi sendo normalizado com conivência pelos meios de comunicação tradicionais, ganhou corpo na internet e, por fim, tornou-se política oficial durante seu mandato no Planalto.
A lista de alvos da intolerância de Bolsonaro é ampla. Mas, nesta quadra histórica, interessa revisitar um ponto específico: seus ataques aos direitos humanos, especialmente nas áreas de segurança pública e política carcerária. A análise de suas declarações em programas de entretenimento e entrevistas televisivas ao longo de 21 anos (1997-2018) revela uma estratégia de desumanização de acusados de crimes e a defesa radicalizada do punitivismo. Se tais posições tivessem sido incorporadas à legislação brasileira, o próprio Jair Bolsonaro, agora condenado, estaria sujeito à violência que ele mesmo defendia.
Ao se referir à população carcerária, o então deputado recorria a termos como “vagabundos”, “marginais”, “elementos”. Mais do que isso, pregava abertamente a negação da humanidade a essas pessoas. Em 2017, no Mariana Godoy Entrevista, da RedeTV!, disse: “temos que deixar de dar tratamento humano pra quem não é ser humano”. Bolsonaro apelava à estigmatização, sugerindo violência e eliminação como políticas de Estado para lidar com suspeitos e condenados. Não se furtou, inclusive, a defender a tortura.
Em 1999, no programa Câmera Aberta, da Band, declarou: “pau de arara funciona. Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso, e o povo é favorável a isso também”. Reafirmou a posição em outras ocasiões, como no Chega Mais, do SBT, em 2015: “a diferença entre tratamento enérgico e tortura é muito pequena, então acho que a tortura enquadra-se plenamente aqui na questão do tratamento enérgico”. Sua idolatria pela prática culminou na homenagem a Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi da ditadura militar, durante a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, de quem o coronel fora torturador.
A condenação de Bolsonaro, como líder de organização criminosa e por outros cinco crimes, veio após um processo que se estendeu por quase 600 dias. Ao longo desse período, não houve registro de aplicação do “tratamento enérgico” que ele tanto defendia, tampouco de uso da tortura para acelerar investigações.
A pena de prisão do ex-presidente e de seus cúmplices já está definida. Se prevalecessem suas próprias teses, inspiradas nas práticas de Ustra, o cárcere equivaleria a trabalho forçado e sessões de tortura para todos os envolvidos na tentativa de golpe – generais incluídos. Em 2015, no SuperPop, da RedeTV!, Bolsonaro lamentava que no Brasil não houvesse penas mais duras: “você não pode botar uma bola de ferro num vagabundo desse na corrente, né? E botar pra trabalhar, pra carpir, pra fazer seja lá o que for, coisas que você faz nos Estados Unidos”.
Em diferentes entrevistas, também defendia a pena de morte, sempre inspirado nos EUA. Em 2014, no Programa do Ratinho, afirmou: “sim, até para diminuir a população carcerária. Uma grande parte desses marginais não tem recuperação”. Alternava entre a indignação e a piada. No Programa do Jô, em 2007, arrancou gargalhadas ao justificar a pena de morte: “eu nunca vi um condenado voltar a executar alguém”. Quando questionado sobre quem assumiria o papel de carrasco, respondeu rindo: “posso ser! De graça, de graça!”.
O debate agora gira em torno do local onde os integrantes do chamado “núcleo crucial” cumprirão pena. Com exceção do tenente-coronel Mauro Cid, beneficiado pelo regime aberto em razão da delação premiada, os quatro condenados oriundos da carreira militar poderiam ser enviados a unidades das Forças Armadas. No entanto, a expectativa é de que a detenção de Jair Bolsonaro, líder da organização criminosa, ocorra em cela especial da Superintendência da Polícia Federal ou no Centro Penitenciário da Papuda. Em todo caso, terão um tratamento diferente daquele que o ex-presidente sempre defendeu, como declarou no Programa do Ratinho, em 2014: “lá é local do cara pagar seus pecados e não para viver no spa e vida boa”.
Não se sabe como Jair Bolsonaro e os que tentaram impor ao país um golpe de Estado – fracassado não por falta de convicção, mas por incompetência – pagarão seus pecados. O que é certo é que estarão protegidos das práticas que o ex-presidente pregou ao longo da vida. Serão justamente as políticas de direitos humanos, tão atacadas por ele e pelos conservadores, que os livrarão da tortura, do trabalho forçado e da pena de morte.