O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso defendeu que a Lei da Anistia não pode ser utilizada para blindar crimes como a ocultação de cadáveres cometidos por integrantes do regime militar (1964-1985). Em uma decisão tomada no domingo (15), ele abriu caminho para que o STF analise essa tese, que pode impactar casos semelhantes no país.
Em 2015, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma denúncia contra os tenente-coronéis Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues de Moura, acusando-os de homicídio qualificado e ocultação de cadáver durante a Guerrilha do Araguaia.
A denúncia foi inicialmente rejeitada sob o argumento de que a Lei da Anistia, que cobre crimes políticos entre 1961 e 1979, seria aplicável ao caso. Porém, em 2024, um recurso do MPF foi admitido pelo STF. Com o falecimento de Sebastião Curió em 2022, o caso seguiu apenas contra Lício Maciel.
O ministro Luís Roberto Barroso assumiu a relatoria do processo e, neste domingo, decidiu que o STF deve avaliar se a Lei da Anistia é aplicável a crimes permanentes, como a ocultação de cadáver. Barroso ressaltou que a questão não se trata de uma revisão da Lei da Anistia, mas da definição de seu alcance.
“No crime permanente, a ação se protrai no tempo. A aplicação da Lei da Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei da Anistia”, explicou Barroso.
A decisão também reconhece a repercussão geral da matéria, permitindo que o STF forme jurisprudência sobre o tema. Barroso destacou que a ocultação de cadáver é um crime permanente que afeta diretamente os direitos das famílias das vítimas. “Todos os cidadãos têm um direito natural e inalienável de velar e enterrar dignamente seus mortos”, escreveu.
Na decisão, Barroso citou o filme Ainda Estou Aqui, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, que aborda o desaparecimento do político Rubens Paiva durante a ditadura militar. Segundo Barroso, a obra destaca a dor das famílias que nunca tiveram a chance de enterrar seus entes queridos.
Ele também mencionou a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, ratificada pelo Brasil em 2016. A convenção define que o desaparecimento forçado é um crime continuado enquanto o paradeiro da vítima não for esclarecido.
O tema agora será levado ao plenário do STF, onde os ministros deverão decidir se a Lei da Anistia cobre crimes cuja execução se iniciou antes de sua vigência, mas que continuaram sendo praticados posteriormente. Caso a tese de Barroso prevaleça, pode abrir precedentes para novas investigações e punições relacionadas a crimes cometidos durante o regime militar.
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