Letícia Santos Rodrigues dedicou cinco anos à investigação de sobrenomes próprios tipicamente brasileiros — Foto: Arquivo pessoal

Por trás de um sobrenome como Rodrigues — que originalmente significa “filho de Rodrigo” — se esconde séculos de história familiar, social, política e linguística. Esse tipo de patronímico surgiu no século XII para distinguir indivíduos em comunidades crescentes, dando origem a nomes como Antunes (“filho de Antônio”) ou Domingues (“filho de Domingos”).

A pesquisadora Letícia Santos Rodrigues, doutora em linguística pela USP e nascida em Salvador, dedicou cinco anos de seu doutorado à onomástica — a ciência dos nomes próprios — e compilou cerca de 50 mil sobrenomes, dos quais 1.707 integram seu dicionário por repetição ou divergência na grafia, como Sousa e Souza. “Os sobrenomes portugueses foram escolhidos por serem um dos povos que mais emigraram para o Brasil no período de meados e final do século XIX. Além, é claro, de serem a nação colonizadora”, explica Letícia ao g1.

O dicionário que desenvolveu no doutorado foi elaborado a partir de consultas em documentos históricos, como o Acervo da Universidade de Coimbra, em Portugal. Foto: Arquivo pessoa

Para tornar o estudo acessível, ela optou por fugir do tom excessivamente técnico: “Não queria fazer um trabalho acadêmico chato, que só especialista lê. Queria que qualquer pessoa pudesse consultar e entender o significado do próprio nome ou do nome da família.” O resultado está no dossiê “Caminhos da imigração: os sobrenomes que contam histórias”, de 500 páginas, disponível na íntegra.

O dicionário agrupa sobrenomes em oito categorias, que vão de patronímicos e profissões (Ferreiro, Machado) a características físicas (Salgado), topônimos (Pereira, Oliveira), referências religiosas (Santos, Nascimento) e até “inovadores” pós-abolição, como Francinaldo e Julivaldo — criados por ex-escravizados em busca de uma nova identidade.

Mais do que curiosidade, os sobrenomes oferecem pistas sobre imigração, status social e transformações históricas. “Você vê alguém chamado Natália Figueira e não pensa na árvore. O nome se esvazia, vira apenas marca”, observa Letícia, que ressalta a importância de compreender o contexto de ofícios medievais, influência da Igreja Católica e raízes territoriais.

O trabalho de Letícia não para: ela pretende publicar o dicionário por uma editora universitária para que ninguém abra o livro e diga “meu sobrenome não está aqui”. Afinal, para muitos brasileiros, descobrir que um Nonato remete a “não nascido” ou que Batata carregava conotação pejorativa é um convite a revisitar suas próprias histórias.

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Last Update: 14/06/2025