Em 25 de julho é comemorado o Dia das Mulheres Negras, Latino-americanas e Caribenhas. No Brasil, essa data também celebra o Dia de Tereza de Benguela, uma líder quilombola do século 18 que comandou o Quilombo do Quariterê, no Mato Grosso. A celebração deste dia representa a luta constante pela vida e pela dignidade das mulheres negras e a memória de resistência contra a opressão racial e de gênero.
O “PL do Estupro”
Na atualidade, um dos debates mais intensos tem sido sobre o Projeto de Lei 1.904/2024, conhecido como “PL do Estupro”, que trata da criminalização do aborto, inclusive em casos de estupro, quando a vítima aborte após 22 semanas de gestação. Se for aprovado, este projeto irá revitimizar as mulheres porque, além do abuso sexual, elas ainda sofrerão com a violência do Estado.
Isso afeta desproporcionalmente as mulheres negras. Dados do Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, organizados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), revelam que meninas negras são as maiores vítimas de estupros (52,2%) a partir dos cinco anos de idade e que a maior parte dos abusadores está dentro de casa. São seus pais, tios, irmãos ou amigos da família.
Hoje, também, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de exploração sexual de jovens e crianças, com cerca de 500 mil vítimas anuais, das quais 75% são meninas negras.
Já a Pesquisa Nacional sobre Aborto, de 2021, aponta que mulheres negras têm 46% mais probabilidade de realizar um aborto, em comparação com mulheres brancas, e, frequentemente, recorrem a métodos inseguros devido à falta de acesso a serviços de saúde adequados.
A criminalização, em suma, não impede a prática do aborto; mas empurra mulheres, meninas e pessoas com útero, especialmente as negras e pobres, para situações de risco, nas quais elas podem ter como resultado problemas de saúde, prisão e até mesmo a morte.
Hipocrisia dos “pró-vida”
Os políticos não estão preocupados com o bem-estar das pessoas que gestam e nem com a vida de bebês e crianças. Esse discurso é apenas uma retórica demagógica e reacionária, que cumpre a função de chamar a atenção de eleitores nas redes sociais. Isso explica porque 51 dos 56 parlamentares que assinaram o “PL do Estupro” também foram favoráveis ao chamado “PL do Veneno”, que deu origem à nova Lei de Agrotóxicos.
Esse paradoxo evidencia a hipocrisia de quem se diz “pró-vida”, pois, além do aborto espontâneo, os agrotóxicos também podem causar infertilidade, baixo peso, prematuridade, malformações congênitas, atrasos no desenvolvimento neurológico e cognitivo da criança e até câncer.
Só a luta pode derrotar a extrema direita
O “PL do Estupro” foi colocado em votação na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Com a maioria da Casa formada por bolsonaristas e reacionários ligados ao desmatamento, ao fundamentalismo religioso e à violência policial, os parlamentares começaram a passar uma série de projetos de lei que buscam retroceder em vários direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
Os deputados de esquerda nem mesmo foram capazes de exigir que a votação fosse nominal, para sabermos quem votou a favor desse projeto. Enquanto isto, Lula, um presidente que se diz defensor dos oprimidos, também não tem feito nada para impedir os ataques, já que o petista colocou dentre seus ministros gente que até ontem era bolsonarista e capitula aos ataques do Centrão e da ultradireita, em troca de apoio ao seu governo.
A única força política na sociedade que conseguiu paralisar os ataques na Câmara foi o povo na rua, em luta. Essas mobilizações incluíram protestos de rua, campanhas de conscientização e ações coordenadas nas redes sociais, que ampliaram a visibilidade e a resistência contra o projeto. Conforme as manifestações espontâneas tomaram as ruas, Lira foi obrigado a fazer um recuo parcial e jogou a votação do projeto para depois das eleições municipais.
Encarceramento em massa
A “guerra às drogas” e as mulheres negras
A chamada “guerra às drogas” não passa de uma desculpa para ação violenta das PMs nas favelas, comunidades e periferias. Sob a justificativa de combate ao tráfico de drogas, o Estado tem promovido um verdadeiro extermínio da juventude.
Segundo o Anuário da Segurança Pública/2023, 78% dos homicídios praticados no Brasil tiveram como vítimas jovens negros; mulheres negras foram 63,6% das vítimas de feminicídios; e 82,7% das vítimas de policiais foram pessoas negras, o que faz com que ser negro implique em 3,8 vezes mais chances de morrer em uma intervenção policial do que pessoas brancas.
Desprovidos de acesso à Educação de qualidade, cultura, lazer e trabalho, negros e negras são presas fáceis para o tráfico. Mas nem precisam estarem envolvidos com drogas. Somente o fato de serem negros pobres são motivos suficientes para virarem alvos das PMs.
A Lei de Antidrogas (11.343/2006), sancionada por Lula, levou ao encarceramento em massa, inclusive de mulheres. O Brasil ocupa o terceiro lugar, ficando atrás somente dos Estados Unidos e da China, e no encarceramento feminino. A esmagadora maioria (79%) são mulheres negras, 81% trabalhavam antes de serem presas, e 62% eram as únicas responsáveis pelo sustento da família, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de 2018.
Geralmente essas mulheres são as responsáveis por seus filhos, sejam os nascidos antes ou depois do encarceramento: “No primeiro caso, o encarceramento da mãe gera uma devastadora desestruturação familiar, uma vez que esses filhos, que não estão mais sobre a sua tutela, têm de transitar entre casas de familiares e abrigos de adoção. Já, no segundo caso, a gravidez durante o cárcere se mostra traumática. As mulheres não dispõem de auxílio adequado durante o período da gestação, assim como não usufruem de uma estrutura apropriada após o parto, pelo contrário, seus filhos nascem presos, como elas. A partir disso, percebe-se, portanto, que o sistema prisional brasileiro é estruturado com base em um entendimento machista”, explicam os pesquisadores Fernanda Furlani Isaac e Tales de Paula Roberto de Campos, no artigo “O Encarceramento Feminino no Brasil”.
O que precisamos fazer
Lutar pelo acesso aos direitos e por reparações
Lutar pela descriminalização do aborto é lutar pelo acesso à Saúde e aos direitos reprodutivos. Essa pauta sempre foi tratada com acordos entre os poderosos ou utilizadas como moeda de troca por uma esquerda que afirmava ser representantes dos nossos interesses.
Celebrar o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra é também um chamado para continuar essas e outras lutas porque essa é uma dívida histórica que o capitalismo brasileiro tem com as mulheres negras.
A luta por reparações é também parte da luta contra o capitalismo racista e machista, que oprime e marginaliza as mulheres negras. Devemos lutar por uma sociedade socialista, onde todas as mulheres possam viver uma vida plena, com dignidade e liberdade.