Em um edifício neoclássico em Atenas, na rua mais antiga de um dos bairros mais antigos do mundo ocidental, moradores se reuniram recentemente com muitas coisas em mente. Os itens da agenda incluíam poluição sonora, congestionamento e outras aflições modernas, mas houve uma recebida com alívio imediato: Haris Doukas, prefeito da cidade, decidiu criar uma força-tarefa para salvar Plaka, o antigo bairro no coração do centro histórico da capital. “Eram as notícias que todos queríamos ouvir”, diz Lydia Carras, diretora de The Society for the Environment and Cultural ­Heritage, Ellet, em cujas dependências os moradores se reúnem com frequência. “Finalmente, medidas serão tomadas.”

Uma batalha foi lançada aos pés da Acrópole, enquanto a Grécia se prepara para outra temporada turística de sucesso. Para Carras, fundadora da sociedade patrimonial há 50 anos com seu falecido marido armador anglo-grego Costas, é uma batalha que lembra lutas mais antigas. Mais de quatro décadas depois de o “bairro dos deuses” sobreviver à invasão de casas noturnas e bares de terraço, sua descoberta por desenvolvedores, investidores gananciosos e empresas imobiliárias globais representa novamente uma ameaça existencial. Na esteira do boom turístico, edifícios inteiros foram vítimas da indústria de aluguel de curto prazo e do Airbnb. As poucas lojas que resistiram estão, como os moradores, à beira da extinção. “Plaka deve ser protegida, pois é tão única”, diz Carras. “Graças às leis especiais de zoneamento consagradas em decretos presidenciais, ela foi salva todos esses últimos anos. A realidade agora é que os moradores estão indo embora não apenas porque as leis estão sendo violadas. As multidões, o barulho e o caos tornaram suas vidas insuportáveis.”

Os visitantes, afirma, não queriam experimentar “cenários sem vida”, mas ­áreas habitadas que pareciam autênticas e reais. “Este é um bairro pequeno. Foi construído para os moradores, não para o que vemos hoje.” Em seu cavernoso escritório na prefeitura, Doukas não disfarça sua consternação. As projeções de chegada de turistas são nada menos que agradáveis. É mais uma prova de que Atenas não é mais um pit stop para viajantes a caminho das ilhas. Mas, apesar dos recordes, as previsões também estão repletas de riscos.

Neste ano, prevê-se a chegada de 10 milhões de visitantes, 2 milhões a mais que em 2024, muitos para as férias na cidade que a tornaram tão popular. Se apenas uma fração for para Plaka, haverá uma “pressão intolerável” em sua rede labiríntica de becos e ruas. “Dos 35 milhões de turistas que a Grécia deve receber, 10 milhões, quase o equivalente à população inteira da Grécia, visitarão Atenas”, contabiliza. “Pela primeira vez seremos o principal destino da Grécia, mas é insustentável. Plaka, em particular, está supersaturada. Não pode continuar.”

Um estudo recente sobre a “­capacidade de carga” encomendado pelo município e elaborado pela Universidade de Pireu instou as autoridades a tomarem medidas imediatas se Atenas quisesse evitar tornar-se vítima do seu próprio sucesso. “Não há um dia a perder. Temos de agir se não quisermos nos tornar a próxima Barcelona, por isso a força-tarefa, com apoio da polícia municipal, terá todos os serviços à disposição”, explicou Doukas, professor de Política Energética antes de ser escalado para o cargo pelo Pasok, partido de centro-esquerda.

Poucos bairros na Europa foram habitados tão continuamente quanto Plaka. Aninhado nas encostas norte e leste da Acrópole, suas mansões e prédios de dois andares, envoltos em torno da Ágora e outros sítios arqueológicos, é uma área habitada desde os tempos neolíticos. Para os gregos, o bairro não é apenas uma janela para o mundo clássico, mas também um elo inquebrável com a antiguidade. “Quando os habitantes vão embora, os lugares morrem”, diz Giorgos ­Zafeiriou, arquiteto que lidera a associação de moradores. “Já vimos isso várias vezes.”

Em Plaka, um dos bairros mais antigos do Ocidente, os moradores tentam resistir

A situação havia se tornado “desesperadora” para a comunidade em declínio do distrito, há muito forçada a uma ­coexistência frágil com os donos de cafés, restaurantes e bares. No verão, o influxo colocou uma pressão extraordinária na infraestrutura antiquada de Plaka, diz Zafeiriou, especialmente seu sistema de esgoto. As preocupações com o turismo excessivo eram tantas que os moradores se juntaram à rede de cidades históricas do Mediterrâneo para trocar experiências sobre como lidar com os problemas. “O que estamos vendo”, afirma, “é uma luta pela alma de Plaka. Mas há motivos para otimismo também.”

Um raio de esperança é uma decisão futura, potencialmente histórica, do Conselho de Estado, o mais alto tribunal administrativo da Grécia, sobre a legalidade de 16 edifícios convertidos em unidades Airbnb em Plaka, dado seu ­status residencial protegido. Movida por Ellet, a ação será fundamental para determinar se os regulamentos de uso do solo, aplicados para preservar o caráter do bairro, foram violados. Se os juízes decidirem a favor, um precedente será estabelecido. “Os dois decretos presidenciais que estabeleceram as regras particulares de planejamento urbano de Plaka eram específicos. Hotéis poderiam existir, mas apenas em locais selecionados”, observa ­Dimitris Melissas, professor de Direito e representante da Ellet.

Com o aumento dos aluguéis a alimentar uma crise imobiliária incipiente, o governo de centro-direita proibiu recentemente novos registros de aluguel de curto prazo em plataformas online no centro de Atenas. Aprovada em janeiro, a legislação gerou a esperança de que fundos de hedge e incorporadores também comecem a enfrentar restrições. “Os investidores estrangeiros veem Atenas como uma espécie de Eldorado. Eles colhem os lucros, não os gregos”, diz Doukas. “Primeiro, eles tentaram contornar a proibição de hotéis no bairro por meio do Airbnb, e agora tentam contornar a proibição do Airbnb por meio de propriedades anunciadas como ‘apartamentos com serviços’, graças a um descuido na nova lei que claramente precisa ser alterada.”

A mensagem, diz o prefeito, é simples. Os investidores devem “esquecer” se quiserem investir em aluguéis de curto prazo na vizinhança dos deuses. “Vá para outro lugar. Plaka é nossa conexão com a antiguidade. É parte integrante da força de Atenas. Não vamos permitir que ela se torne um parque de diversões turístico, um shopping center sem-fim, despojado de moradores e destruído.” •


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

Publicado na edição n° 1350 de CartaCapital, em 26 de fevereiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Deuses despejados’

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Last Update: 20/02/2025