Amplamente questionado na comunidade ayahuasqueira, o envolvimento do grupo religioso União do Vegetal (UDV) com o bolsonarismo ganha contornos ainda mais graves diante dos desdobramentos da Operação Contragolpe, conduzida pela Polícia Federal (PF).
Documentos, fotos e vídeos compartilhados nas redes sociais revelam o apoio ativo de dirigentes da instituição a planos para um golpe de Estado em 2022, visando impedir a posse de Lula (PT). O caso reacende divisões internas deixadas pelo bolsonarismo na organização religiosa.
Logo após as eleições de 2022, Raimundo Monteiro, uma das lideranças mais antigas da UDV, enviou uma carta às Forças Armadas pedindo a execução de um golpe de Estado. No documento, obtido com exclusividade pela Psicodelicamente, Monteiro conclama os comandantes militares a interromperem o avanço do comunismo no Brasil:
‘Somos centenas de milhares — milhões! — de cidadãos pacatos, cumpridores de nossos deveres cívicos, expondo-nos às intempéries climáticas, à frente dos quartéis, em todo o país. E o que pedimos é algo justíssimo: uma ação militar em prol do bem comum.’
O complô militar investigado pela Polícia Federal, batizado de “Punhal Verde e Amarelo”, envolvia planos de ações violentas, incluindo os assassinatos do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Outros personagens envolvidos
João Ribeiro, ex-integrante expulso da UDV por criticar a instituição, aponta Carlos Maltz, membro da sede geral em Brasília e ex-baterista da banda Engenheiros do Hawaii, como apoiador da trama golpista. Após deixar a música em 1996, Maltz mudou-se para Brasília, onde se aprofundou na UDV e passou a atuar como astrólogo e psicólogo. Ele já manifestou apoio a Jair Bolsonaro e a posições políticas conservadoras, mas não há evidências públicas de sua participação em ações golpistas.
Segundo Ribeiro, Maltz teria incentivado protestos em frente a quartéis por meio de postagens nas redes sociais, posteriormente apagadas. Fotos na internet mostram dirigentes da UDV, como o coronel aposentado Clóvis Cavalieri e Raimundo Monteiro, participando de acampamentos que pediam um golpe de Estado e a volta da ditadura militar.
“Monteiro não é qualquer um dentro da UDV. Ele ocupa o mais alto patamar da instituição, como ‘mestre da memória’”, explica Ribeiro.
Monteiro integra a UDV desde 1966 e recebeu a estrela de mestre diretamente do fundador, José Gabriel. Cavalieri, por sua vez, foi mestre geral representante entre 2015 e 2018.
Discurso de ódio e crise interna
Nos últimos anos, líderes bolsonaristas da UDV intensificaram narrativas antidemocráticas. Essa guinada ideológica resultou em uma crise sem precedentes na UDV, com o afastamento de cerca de 2 mil sócios, incluindo 400 dirigentes. Muitos ex-membros atribuem a crise ao alinhamento do grupo com o bolsonarismo e a agendas ambientalmente destrutivas, como o garimpo ilegal.
“O plano de Monteiro não foi apenas político; ele transformou a UDV em uma corrente do bolsonarismo,” afirma João Ribeiro. “Essa ruptura causou uma perda significativa de associados e abalou profundamente a instituição.”
Documentos internos e declarações reforçam ainda práticas discriminatórias. Um texto assinado em 2008 por Raimundo Monteiro e outros dirigentes repudia abertamente a homossexualidade, em defesa do “modelo natural da existência humana”.
Jair Gabriel da Costa, atual mestre geral representante e filho do fundador da instituição, também tem sido acusado de homofobia e misoginia. Recentemente, em uma sessão na Assembleia Legislativa do Acre para celebrar o Dia da Cultura Ayahuasqueira, ele se referiu a si mesmo como “comedor de macaco e matador de onça”.
A UDV foi procurada para comentar as denúncias, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.