Está em curso nas cidades do Brasil uma nova onda de despejos das famílias mais pobres que residem em ocupações, favelas, periferias e morros. Essa ação vem sendo feita de forma violenta pelo Estado para favorecer o setor empresarial do ramo imobiliário e da construção civil.

Dados e realidades entre 2020 a 2025

De acordo com a ‘Campanha Despejo Zero’, mais de 1,5 milhão de pessoas já foram despejadas ou estão sob ameaça de despejos desde 2020. Entre outubro de 2022 e julho de 2024, o número de pessoas afetadas por despejos ou remoções forçadas aumentou 70%.

Até maio deste ano, mais de 48 mil famílias foram efetivamente despejadas no país, enquanto outras 400 mil estão sob ameaça. Em São Paulo, mais de 11 mil famílias já foram removidas desde 2022, e mais de 100 mil vivem sob risco iminente.

Esses números escancaram que os despejos não são casos isolados. Eles são expressão de uma política sistemática que transforma o solo urbano em mercadoria, cada vez mais cara, que expulsa os mais pobres para atender à especulação imobiliária.

O perfil dos despejados

A maioria das famílias despejadas é chefiada por mulheres negras, trabalhadoras informais, com filhos pequenos e baixa escolaridade. 63,3% dos afetados são negros; 62,6% são mulheres; 74,5% ganham até dois salários-mínimos; cerca de 265 mil são crianças e outras 260 mil, idosas.

Os despejos são frequentemente realizados com uso de força policial desproporcional. O Estado é protagonista da violência contra os mais vulneráveis, no interior da classe trabalhadora.

Lula e a moradia

O governo Lula retomou o programa Minha Casa, Minha Vida, mas com alcance limitadíssimo para famílias de baixa renda. A prioridade tem sido a construção em parceria com empreiteiras, mantendo o modelo de produção de habitação como mercadoria.

Também há ameaças de despejos em áreas da União. Não podemos esquecer que foi o governo federal que doou a área da Favela do Moinho, onde residem 1.050 famílias no centro de São Paulo, ao projeto higienista do governador de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), que deu ordem para a PM promover cenas de guerra contra as famílias que resistiram ao despejo.

Fala-se que o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e da base aliada ao governo Lula, assumirá a Secretaria Geral da Presidência da República. Se concretizado, na condição de ministro, a maior referência do movimento sem-teto vai enfrentar os interesses das construtoras para solucionar o déficit habitacional no país? Ou vai seguir os passos dados pelo governo Lula no Programa Minha Casa, Minha Vida? Se for a última opção, já temos o resultado: os despejos, as perdas de casas, mobílias e de vidas nos desabamentos e soterramentos nas chuvas, vão seguir.

SP: Lógica higienista

Em São Paulo, o governador Tarcísio tem foco em obras de infraestrutura, com destaque para rodovias, que englobam a remoção de dezenas de milhares de famílias. São obras de parcerias público-privadas (PPPs), que regam os cofres das empreiteiras como a Direcional Engenharia, a Ecovita Incorporadora e Construtora, BRZ Empreendimentos e a Cataguá Construtora.

Na cidade de São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) segue a mesma lógica higienista. Reintegrações de posse são realizadas sem plano de reassentamento, e os investimentos em habitação popular são mínimos.

Repressão aos pobres

Consequências sociais e políticas dos despejos

O despejo é mais que a retirada das famílias. Ele rompe laços comunitários, interrompe trajetórias escolares, causa adoecimento mental e físico, empurra para situações de rua, desemprego e violência. Crianças perdem a escola. Mulheres perdem redes de apoio. O Estado dos ricos, ausente na garantia de direitos, aparece apenas como agente da repressão para os pobres.

Politicamente, os despejos cumprem papel de contenção de revoltas e disciplina social: criminalizam movimentos populares, naturalizam a exclusão e a violência policial nos bairros periféricos e reforçam a lógica capitalista de que a cidade pertence a quem pode pagá-la. Além disso, muitas remoções estão vinculadas a grandes projetos de reurbanização ou eventos, revelando a subordinação da política urbana aos interesses privados do capital.

Por outro lado, os levantes populares são legítimos e necessários para barrar essa violência imposta pelo Estado e por grandes capitalistas. A população da Favela do Moinho deu exemplo e mostrou que é possível resistir.

Organizar a luta

Moradia para quem precisa

A cidade é produzida por quem nela vive e trabalha, mas é apropriada por interesses privados dos que colocam o lucro acima das necessidades e da vida da classe trabalhadora. A luta por moradia é também a luta por dignidade, por democracia real, por liberdade concreta.

Diante da crise, não basta denunciar. É preciso organizar. Apoiar movimentos de moradia. Lutar por um novo modelo de cidade, baseado no atendimento das necessidades de quem nela reside. Porque sem teto não há liberdade. E sem liberdade, não há democracia.

Como diz o movimento de moradia Luta Popular: “Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito. Devemos seguir organizando os de baixo, para derrotar os de cima”.

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Last Update: 05/06/2025