O advogado Jorge Folena publicou um artigo no portal de esquerda Brasil 247 intitulado Precisamos desnazificar o Brasil com a caracterização de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria acendido “uma luz no fim do túnel” ao aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra 10 bolsonaristas, acusados pelo órgão de “ações golpistas que culminaram na tentativa de golpe de estado do 8 de janeiro de 2023”, conforme as palavras de Folena, já defendendo que a manifestação ocorrida em Brasília seria uma tentativa de golpe. Eis a consideração por completo do autor, que se arrisca a interpretar a história do Brasil:

“A verdade é que saímos apenas formalmente da ditadura de 1964-1985, pois preservou-se a influência da mesma classe dominante, representante dos interesses do imperialismo, do latifúndio e do fascismo, que, há mais de um século, se organizam num consórcio do atraso contra os interesses do país e da maioria do povo brasileiro.

Talvez tenha se acendido uma luz no fim desse túnel escuro no dia 20 de maio de 2025, quando a Primeira Turma do STF aceitou a denúncia apresentada pelo Procurador Geral da República contra o denominado ‘núcleo 3’ das ações golpistas que culminaram na tentativa de golpe de estado do 8 de janeiro de 2023; em decorrência, nove militares (um general e oito coronéis) e um policial federal tornaram-se réus.”

Folena claramente não pensou direito no que está afirmando, porque sua própria argumentação se contradiz. De um lado, ele lembra que a institucionalidade da ditadura militar foi preservada; de outro, afirma que o STF acendeu uma luz no fim do túnel — um túnel escuro, como ele mesmo diz — ao aceitar tornar réus membros da burocracia estatal que apoiaram o bolsonarismo.

O erro grave nesse raciocínio é desconsiderar o fato óbvio de que o STF faz parte justamente da institucionalidade que não foi alterada. Foi preservada pela Ditadura Militar, e continuou intocada depois. Pelo contrário, houve mais intervenção da ditadura nas fileiras do Exército do que no Supremo.

É preciso lembrar que, durante o período da ditadura, as Forças Armadas passaram por um expurgo gigantesco, com milhares de militares reformados. O Executivo foi derrubado, o Legislativo foi fechado, mas o Judiciário passou incólume por esse momento dramático da nossa história — porque nunca foi necessário fazer nada com ele.

Aqui está o erro da consideração de Folena: para “desnazificar” o Brasil, como ele diz, ou seja, para afastar a influência da ditadura — na verdade, da classe dominante — sobre a burocracia estatal, isso significaria, concretamente, fazer uma intervenção total no Judiciário, que é o mais conservador de todos. Um Judiciário que apoiou a Ditadura Militar em tudo, que não se opôs em nada ao horror realizado.

Ainda, da mesma forma que era totalmente dominado pela ditadura e pelo imperialismo — a ponto de ser um órgão seguro para os golpistas de então —, assim ele é hoje: um órgão totalmente seguro para o imperialismo. É por isso mesmo que está nessa campanha contra os bolsonaristas, ameaçando, inclusive, os direitos do povo brasileiro.

É preciso ter clareza de que o STF sempre atendeu aos desígnios da classe que o domina: o imperialismo. Foi assim quando avalizou os crimes da Ditadura Militar e continua sendo assim agora, enquanto persegue os bolsonaristas. Não é à toa, por exemplo, que existe uma grande coincidência de interesses entre as ações do STF e os principais órgãos de imprensa do Brasil — formados durante a ditadura — como a Rede Globo, que sempre foi um órgão de propaganda da ditadura e do imperialismo e que, hoje, mantém total alinhamento com o STF. O jurista conclui:

“Necessitamos implementar com urgência uma política nacional de desnazificação das instituições do estado brasileiro, para que possamos, enfim, corrigir o grande erro da Nova República, que, ao não enfrentar o problema do fascismo, possibilitou que o pensamento fascista se refugiasse nas sombras, se fortalecendo e se multiplicando, com sua ameaça permanente de atacar nos momentos de vulnerabilidade institucional com seu discurso de ódio e destruição.”

Muito bem dito: “desnazificar” o País realmente seria importante. O problema é que, com o STF, a única coisa que conseguiremos efetivamente fazer é “nazificar” o País — ou seja, recrudescer a ditadura imperialista por meio de outro uniforme, outra burocracia.

É interessante destacar que O Globo da época, que hoje defende Alexandre de Moraes e o STF, era o mesmo que defendia os militares, dizendo que eles estavam lutando para restabelecer a democracia. Folena e a esquerda pequeno-burguesa que se expressam por meio dele deveriam observar com mais atenção esses sinais. A “defesa da democracia”, hoje, como na época, é uma farsa, uma cobertura para mergulhar o País numa verdadeira ditadura.

Foi isso que jogou o Brasil no mais tenebroso período da sua história — e é exatamente isso que se repete agora. Não é difícil ter um vislumbre das consequências se olharmos para a Argentina, onde aqueles que defendem as arbitrariedades e o autoritarismo do STF defendem também o ataque brutal de Javier Milei contra a população do país vizinho. Estão levando as pessoas, especialmente os idosos, a buscarem o suicídio como uma saída diante do desespero causado pelos violentos cortes em programas sociais, para atender os banqueiros — custe o que custar.

É isso que o STF vai permitir que seja feito no País se não for parado. Foi para isso que serviu durante a Ditadura Militar e é para isso que serve agora, quando diz que está combatendo o bolsonarismo para defender a “democracia”.

A esquerda não pode ser ingênua. Ela precisa se posicionar contra isso, não se deixar levar por palavras bonitas, mas observar concretamente o que está acontecendo: os ataques aos direitos democráticos da população como um todo. Acima de tudo, é preciso reagir contra as arbitrariedades do STF, porque elas não estão voltadas a combater o fascismo, mas a estruturá-lo. A esquerda não pode se enganar quanto a isso porque o preço a pagar será muito elevado.

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Last Update: 25/05/2025