Desmontar e ridicularizar a tentativa de golpe é resultado de intensa dedicação

O ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado pela PF por suposta tentativa de golpe de Estado – Foto: Reprodução

Por [Nome do Autor], em [Nome da Publicação]

1. E o jovem professor de Direito Penal brilhou na Jovem TV ou “Campeonato de várzea: os pensadores de crimes”

Abro o WhatsApp e vejo que alguém me remeteu um vídeo de um causídico sedizente professor de Direito Penal (provavelmente da Faculdade Balão Magico) e, tentando ser dramático e, quiçá, irônico, disse “sentir-se surpreso que alguém possa ser indiciado ou processado” pelo “simples fato de pensar em matar alguém”. Já começou mentindo.

E então o jovem jus Einstein “desfilou” conhecimento, falando do iter criminis… “Explicou” como é. Defendia, clara e explicitamente – a emissora é claramente engajada no meme “pensar em matar não é crime” – a tese de que planejar e coisas do gênero não têm nada a ver com possibilidade de estarmos em face do crime de tentativa de golpe de Estado (atenção: nesses crimes, tentativa já é a consumação!).

Não vou me alongar aqui sobre isso. Dezenas de juristas já escreveram – e bem – sobre isso. Em especial, sugiro os seguintes textos:

  • Jayme Weingartner Neto e Ramiro Gomes von Saltiele, sob o título “Atos preparatórios são puníveis em direito penal? Sobre tramar assassinatos e golpes”
  • Golpe de 2022: elementos para a concretização do crime pela tentativa, de Fernando Fernandes e Guilherme Marchioni,
  • Leonando Yarochewsky, com Breves considerações sobre o crime de abolição violenta do EDD e
  • Direito de contragolpe: o que são condutas atentatórias à democracia (partes I e II), de Emerson Ramos, Lenio Streck e Marcelo Cattoni.

O jovem “professor de direito penal proto irônico” da Jovem TV deveria ler (não só ele). Como disse um grande jornal em editorial: planejar golpe de Estado é um ato de traição à pátria. O Estado foi usado contra o próprio Estado. Correto.

Há também professores bem tradicionais reclamando de que a democracia brasileira está iliberal (sic). Escondido no discurso, a justificação do golpe. Aliás, a tentativa de golpe tinha até um núcleo jurídico de apoio. Demais, não? E a operação golpista tinha o sugestivo nome de Artigo 142 – esse que gerou hermenêuticas delinquenciais.

Aliás, nunca vi tantos “especialistas em Direito” (o negacionismo jurídico veio para ficar) dando palpites sobre o novo paradigma “pensar em matar não é crime” (atenção: pensar em matar não é crime, tranquilizem-se; isso é óbvio; e nem se discute tentativa de homicídio – porque não é disso que se trata; a pretensão de matar era meio para o fim, o golpe). E acho que mais não precisa ser dito.

Se há algo de ridículo nisso tudo é a tentativa de desqualificar a tentativa de golpe com argumentos pequeno-gnosiológicos como “pensar em matar não tem nada de mal”. Isso dá Prêmio IgNobel, já que o Nobel está muito longe.

Apareceu também um membro do MP, quem, acostumado a denunciar pobres no atacado, transformou-se em garantista ad hoc, ao inventar a tese de que, como Lula não tinha sido empossado, não caberia golpe de Estado, porque ainda não era… deixa prá lá.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

E assim a nave vai.

2. O Mito da Caverna na caverna e porque eles são muitos…!

O Brasil é terrível. Quem mais está ironizando e desfazendo da tentativa de golpe no qual se pretendia matar o presidente da República, o vice e dois ministros do Supremo Tribunal (no mínimo um) é a classe jurídica. As redes estão lotadas – e não só as redes – de professores (sic) e bacharéis sufragando a tese “pensar em matar não é crime” e coisas parecidas.

Tudo é fruto de muito esforço. Construímos uma imensa comunidade jurídica reacionária, que odeia a Constituição e que prega o fechamento das instituições, mormente o STF.

Há tempos, o programa Fantástico, da Globo, quis ensinar filosofia nos domingos à noite. Queria, é claro, facilitar. Genial, não? No primeiro programa a repórter-filósofa entrou em uma caverna em Tubarão (SC) e de lá buscou explicar… o Mito da Caverna. Entenderam? Caverna-que-é-igual-a-uma… caverna! Bingo. O Nobel e o IgNobel são nossos. Na sequência, para explicar Heráclito, ela subiu em um caminhão, para falar do… movimento. Céus. O que mais inventarão?

O que falei acima é alegórico. Retrata os tempos de redes sociais e “o império do simples”. Mais de 70% dizem que já não leem livros. “Alimentam-se” de memes e insta. E tik tok. E estamos indo bem na simplificação da linguagem.

Vamos criar inclusive verbetes explicando o que é um golpe de Estado. Vamos desenhar? Sim, porque, com todas as simplificações do ensino jurídico, conseguimos isso que está aí. Uma Operação 142. E Punhal Verde e Amarelo.

Eis o caldo de cultura em que pode ser encontrado o atual homo juridicus, o homo concurseirus, homo senso comunis, o homo instraganulus…

Portanto, tudo que está aí – tentativa de golpes, justificativas das tentativas de golpes, desqualificações das tentativas de golpes, desdém pela democracia – é “fruto de muito esforço”. Coisa de décadas de dedicação. Professores (principalmente da área jurídica) se esforçaram muito para formar alunos que hoje desdenham da democracia.

Professores e alunos e ex-alunos que fazem troça da tentativa de golpe. Ah, como essa gente se esforçou. E deu resultado. Como no diálogo de Zorro e Tonto, em que o primeiro perguntava: esses índios todos que se aproximam, o que me diz? E Tonto respondeu: “são muitos”.

É isso que dá investir em resuminhos e sinopses pelas quais não se faz sinapses. É nisso que dá descomplicar, facilitar, mastigar, plastificar…

Deu nisso. O jovem causídico fazendo ironia com golpe de Estado. Irônico isso, não?

3. Não riamos. Porque corremos o risco de rirmos de nós mesmos. O golpe, paradoxalmente, deu certo. Sim, lendo o que se lê por aí, o golpe deu certo

Numa palavra final: que não venhamos a rir. Se hoje no Direito há gente que relativiza golpe de Estado, é porque, paradoxalmente, o golpe deu certo. Não aponte o dedo

Artigo Anterior

Oferta especial para a prefeita Margarida Salomão

Próximo Artigo

Votação de novas medidas de ajuste fiscal está prevista para este ano, afirma líder do executivo na Câmara Federal

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter por e-mail para receber as últimas publicações diretamente na sua caixa de entrada.
Não enviaremos spam!