Desigualdade de Direitos: A Saga dos Aposentados e os Privilégios dos Promotores

por Fernando Castilho

CENA 1

Abro o noticiário e sou imediatamente arrebatado pela notícia que salta à tela:

“O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) autorizou o pagamento retroativo de um penduricalho que pode chegar até R$ 1 milhão para cerca de 1.900 promotores e procuradores. Esse benefício, chamado de ‘compensação por assunção de acervo’, é destinado a servidores que lidaram com uma carga maior de processos além da cota usual.

A bonificação será retroativa, referente ao período de janeiro de 2015 a agosto de 2023. O valor total dos pagamentos extras ultrapassará R$ 1 bilhão, com valores individuais variando entre R$ 400 mil e R$ 1 milhão. O pagamento será feito de forma gradual, conforme a disponibilidade orçamentária.”

CENA 2

Retrocedo mentalmente a 2017. Lá estava um aposentado, vitorioso em sua ação no STJ. A Revisão da Vida Toda garantiria a ele o direito a um benefício calculado sobre todo o período trabalhado, e não apenas após 1994, como desejou Fernando Henrique Cardoso em sua reforma da previdência de 1999. Com base nessa decisão, um grupo maior de aposentados, igualmente merecedores, ingressou com a mesma ação. Contudo, o INSS recorreu ao STF. E em dezembro de 2022, a vitória sorriu também no Supremo.

Mas o governo, em seu cálculo fictício que ninguém ainda conseguiu explicar, estimou em R$ 480 bilhões o impacto da RVT aos cofres públicos e correu para fazer gestões junto ao STF para cancelar a vitória dos aposentados. Para isso, o Supremo revirou suas gavetas e desenterrou duas ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), adormecidas desde 1999! Foi por meio delas que encontraram uma maneira heterodoxa e injusta de anular o mérito da RVT.

Hoje, as ADIs estão em fase de embargos de declaração a serem julgados neste mês.

Entretanto, uma auditoria independente e altamente confiável revelou que a ação beneficia apenas 102 mil aposentados e seu impacto aos cofres públicos seria de apenas R$ 3,1 bilhões a serem pagos em dez anos, uma soma infinitamente menor do que os inflados R$ 480 bilhões estimados pelo governo.

Observem, perplexos, que os membros do Ministério Público de São Paulo não precisaram ingressar com nenhuma ação para receberem seus penduricalhos. Esse direito, discutível, foi aprovado automaticamente… por eles mesmos. Já os aposentados, muitos deles vivendo com apenas um salário mínimo por mês e em situação de vulnerabilidade, aguardam há 8 anos pelo reconhecimento de seu direito! Esse direito está sendo impiedosamente barrado, numa clara afronta aos direitos humanos e ao Estado Democrático de Direito.

Quase ninguém comenta sobre a Revisão da Vida, nem a grande mídia, nem o governo e nem sua base de apoio no Congresso. Por quê?

Definitivamente, no Brasil, quem pode mais, tem mais; e quem pouco tem, não pode nada. Seja qual for o governo.

Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.

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Last Update: 07/02/2025