Determinação da Taxa Básica de Juros Via Algoritmo e a Previsibilidade da Economia III

por Leonardo Costa e Silva

Essa coluna não se dedica ao leitor acadêmico, embora ele seja muito bem-vindo, haja vista que algumas ideias podem ser defendidas e, para que sejam cientificamente plausíveis, é preciso que tudo o que aqui se diz seja devidamente apoiado no que a Economia como ciência nos pode oferecer. Antes de entrar no núcleo desta série de matérias, será preciso que alguns conceitos sejam entendidos por uns e relembrados por outros. O primeiro é o de modelo.

Uma vez, discutindo com um taxista acerca da infinitude de Deus, perguntei até que ponto ele havia ido na educação formal. Ele me disse que até o terceiro ano de engenharia. Adequei a isso meus argumentos. Propus o seguinte silogismo: “Se nós somos finitos e Deus é infinito, perante a vida Dele, a nossa é um átimo, ou seja, tão pequena que não faria a menor diferença frente à criação. Matematicamente, diz-se que qualquer número finito dividido pelo infinito tende a zero. Assim, a questão não é discutir se Deus existe perante nós, mas se nós existimos perante Ele”. Eu criei um modelo porque, sabendo que a realidade é muito maior que nós mesmos, só podemos explicar as coisas a partir de simplificações que, no exemplo acima, foi excessiva porque não se consideraram duas características divinas, a onisciência e a onipotência. Criei um modelo na medida em que tentei explicar um aspecto da realidade a partir de uma simplificação.

Na Economia, acontece a mesma coisa. O número de variáveis é infinito, de sorte que nossa capacidade preditiva é extremamente limitada. Poderá ser menos irrisória se as bases teóricas forem consistentes e estas últimas partirem de premissas verossímeis. O grande desafio atribuído à teoria econômica é fornecer suporte à melhoria contínua da previsibilidade dos eventos sem, contudo, aumentar o número de variáveis. Os modelos econômicos lidam com probabilidades. Isso se deve a que só se pode administrar o futuro, pois ele é desconhecido, o presente é um átimo e o passado é História. Então, é preciso relembrar os tipos de probabilidades.

A Mega-Sena, por exemplo, parte de um intervalo fixo de números (de 1 a 60) e uma quantidade constante de números sorteados (6). Todas as semanas, sorteiam-se os mesmos seis números entre os mesmos sessenta possíveis. Assim, pode-se dizer que a Mega-Sena não tem memória, de nada adianta jogar nos números que mais saíram, pois essa quantidade será regida pelo acaso. Trata-se de uma probabilidade estocástica, pois a base não se altera, e discreta, porque os números são conhecidos como os lados de um dado. Se a quantidade de números for muito grande ou desconhecida, diz-se que é estocástica e contínua.

Se o evento depender de uma outra variável, como a queda de um corpo depende da gravidade, a probabilidade deixa de ser contínua e estocástica. A gente sabe que a coisa vai chegar ao chão, resta saber quando e com que velocidade. O papel da ciência econômica é justamente dar essa certeza de que um evento econômico, como a elevação de preços, vai acontecer, restando ao modelo estimar quando e com que intensidade.

Quando se diz que “assim caminha a humanidade”, duas elações filosófica se podem fazer. A primeira diz respeito a que tudo o que acontece com o ser humano está ligado ao fato de ele estar vivo e a vida se medir em tempo. Assim, tudo o que acontece em Economia está sujeito ao tempo como variável dinâmica. A outra elação é que o que aconteceu ontem afeta o que vai acontecer amanhã, ou, como diria Keynes, o empresário age como se amanhã fosse muito parecido com ontem. O ser humano depende da roda há milhares de anos e tudo indica que vai continuar precisando. Isso afasta a ideia de que as probabilidades na economia sejam estocásticas. Resumindo, a renda de hoje depende da renda de ontem e não há como fugir disso.

Por outro lado, há eventos fora do sistema econômico que afetam a vida material da sociedade, como aconteceu com as chuvas de maio de 2024 na região de Porto Alegre. Não que isso seja obra do acaso, mas suas causas não nos são conhecidas, pelo menos, cuja previsão não se tenha incluído no modelo econômico vigente. Sob o ponto de vista puramente acadêmico, fatos assim são considerados como estocásticos.

De tudo o que se disse, depreende-se que o estocástico e o dinâmico são antagônicos em essência, mesmo que se façam exaustivos exercícios para conciliar as duas concepções de mundo.

Tenhamos sempre em mente que a Economia é ciência humana pura e, por causa disso, há inúmeros casos em que a ideologia suplanta largamente o senso científico e os mais absurdos modelos acabam por se fixar no meio acadêmico, até mesmo gerando títulos de doutorado. Um exemplo disso é o de uma colega israelense, cujo modelo partia do princípio de que toda a inteligência humana se concentrasse no Norte Global e toda burrice do planeta residisse no Sul Global. Apesar da ironia da banca, ela recebeu o título, isto que, matematicamente, o modelo estava correto. A adoção de modelos estocásticos dinâmicos de equilíbrio geral são um excelente exemplo disso, pois usam conceitos antagônicos e, pior que isso, consideram ser possível levar ao equilíbrio geral, o que se discutirá na próxima matéria.

Leonardo Costa e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição. É pré candidato a vereador em São Paulo pelo PT.

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Última Atualização: 16/07/2024